quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Comentários de Publicações anteriores IV.

Sem querer ser enfadonho me explico:
Por semanas, abordei aqui assuntos relativos à teoria lacaniana. Foram tratados aqui :A constituição do sujeito, a transferência, o sujeito do suposto saber, a palavra plena e o ato simbólico.
Nesta sequencia de comentários ( que já estão em IV), faço comentários pessoais da série publicada. Na dúvida, consultem as publicações anteriores que ainda estão nos arquivos.
Dito isso... comento:
Os enfoques linguísticos de Lacan podem ser discutidos. Muitos não aceitam a primazia do significante, apoiando a ideia de de um equilíbrio ente este e o significado. Também é acusado de um reducionismo, em sua conceptualização do inconsciente. Porém, mesmo assim, não se pode negar a originalidade das teses lacanianas, nem deixar de reconhecer os problemas que resolve ou as vias que inaugura. A ideia de Lacan evita uma dificuldade, apresentada na proposta freudiana de inconsciente, a qual, apesar de sua grande utilidade clínica, complica-se teoricamente quando tem de harmonizar fenômenos biológicos com outros que não o são (representações, linguagem e sentimentos). A proposta de Lacan, por mais questionável que possa ser, parece simples e harmônica com o que se procura estudar. É metáfora ou realidade que o inconsciente está estruturado como linguagem?
Indubitavelmente, é um acerto da teoria lacaniana pôr a prioridade fálica como centro da sexualidade humana. Não se pode subestimar o interesse de um tema que tinha ficado um tanto relegado, devido ao auge das teorias das relações objetais. Mas faz algo mais: de uma maneira que não se tinha feito até então, relaciona a significação do falo, em um sentido antropológico geral, com a conflitiva neurótica. Continuam a sair, da inspiração lacaniana, teorias, observações, opiniões. Como fazer justiça a tantas questões ao mesmo tempo? fala-se da relação do sujeito com a cultura, da que existe entre a linguagem com a psicanálise e o inconsciente, também lembremos sua diferenciação entre desejo, necessidade e demanda, a criação dos três registros (real, simbólico e imaginário), a concepção do desejo humano, a proposta de um homem, alienado entre o desejo do Outro e do outro, a imbricação da linguística com o sintoma, a importância dada, no homem, ao simbólico e a convenção significante. Lacan ensinou a pensar a problemática da castração, tanto em relação à ordem imaginária ( ser o falo ou ter o falo, confundir a pessoa com a lei), quanto à estrutura significante, portanto a ausência, a falta, está presente, dentro de um sistema de relações, como carência de ser do sujeito enquanto significante.
E amanhã prosseguimos...
Fraterno abraço
André


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Comentários de Publicações Anteriores III.

Seguindo ainda comentando os textos relativos à obra de Laca, penso ser a alienação lacaniana do sujeito é mais radical, em um sentido, do que a de Freud e, também, diríamos, do que a de Marx. O homem, para Freud, está em crise, como resultado da luta entre sua natureza e a lei da cultura. Porém, mesmo quando enfrenta esse conflito, há algo que lhe pertence ou que lhe é próprio, tanto em sua natureza como em sua cultura. O homem de Laca, alienado  entre o desejo que a identificação com o semelhante lhe impõe, e o desejo que a cultura lhe impõe, através da linguagem, sofre uma alienação constitutiva mais absoluta. Não há nada próprio dele, fica indefectivelmente preso entre o outro e o grande Outro. Lacan rechaça qualquer possibilidade de livre arbítrio. Nenhum ser humano organiza seu destino e suas motivações, ambos nascem no exterior. A problemática do sujeito, em Lacan, é um assunto muito mais amplo do que o genial, mas de todo modo mais modesto,projeto freudiano: o homem, com sua sexualidade e conflitos que esta lhe causa.
Torna-se difícil sintetizar as contribuições originais de Lacan. Menciono, inicialmente, algumas. Ele pensa o narcisismo com um novo critério, etológico e intersubjetivo. Toma de Hegel a dialética da relação com o semelhante; de Sartre, o tema do olhar, de Freud, o conceito de identificação e do narcisismo. O resultado final é de grande riqueza conceptual. Aplicado ao Édipo e ao vínculo com a mãe, abandona todo o desenvolvimento evolutivo e vai direto ao âmago: o desejo da mãe. Vincula o narcisismo à agressividade, assim progredindo muito, em um duplo caminho: deixa o meio da biologia e o reducionismo de uma pretensa pulsão de morte e amplia o nível de explicações da clínica.

Fraterno abraço!
André
    

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Comentários de Publicações Anteriores II

Então sigamos....
A obra de Lacan, impressionantemente por seu nível teórico, pela formalização que alcança e pela vastidão de seu gênio criativo, aparece como uma renovação profunda dos esquemas conceptuais psicanalíticos. A convergência de preocupações da psicanálise com outras disciplinas do tipo filosófico, antropológico e linguístico admite muitos vértices de análise. A concepção lacaniana do sujeito não é a mesma que a da estrutura do inconsciente ou da técnica psicanalítica. Nenhuma obra é homogênea e, menos ainda, uma obra desta magnitude. Quantos Freud existem? Há o sagaz observador da natureza humana e, também o cientista materialista lamarckiano do século XIX, o criador de teorias especulativas e o clínico rigoroso. A obra de Lacan é heterogênea, como também o é a de outros grandes psicanalista. Melanie Klein, por exemplo. Por acaso não se poderia aceitar nela a genialidade de seus achados clínicos e a profundidade de seu pensamento, questionando, simultaneamente, outros aspectos de sua obra, como as proposições genéticas ou instintivas??
Embora seja pouco provável presumir uma avaliação equânime do pensamento lacaniano, tenho tratado de tentar me aproximar, deste ponto virtual. Ideias anteriores e outras experiências clínicas influem em nossa perspectiva. A dificuldade de aprender uma língua nova, quando uma pessoa é adulta, consiste em que sua língua original atua como "tela" psicológica, obstaculizando o acesso ao outro idioma. Algo semelhante nos acontece ao estudar Lacan.
Na obra de Lacan  a qual aliás, abordamos poucos pontos básicos aqui, sobressaem a originalidade e a audácia de seu pensamento. Cria novos modelos, para pensar os problemas da psicanálise, entre eles a relação do inconsciente com a cultura.
Lacan usa o ardil da convivência humana dentro do movimento psicanalítico. Apenas quando sua posição se afirma, estabelecendo-se a liderança, pode destacar as diferenças entre  sua obra e a de Freud.
Penso que sua reformulação é muito profunda. Modifica-se o eixo de referência da teoria e metapsicologia. 
É disso que trataremos nesta série de comentários. 

Fraterno abraço
André 


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Comentários de Publicações anteriores I.

Sobre as publicações anterior, todas elas voltadas para a Técnica Psicanalítica com base em Jacques Lacan, vou iniciar comentando o que publiquei com algumas ressalvas. Quero diferenciar, em primeiro lugar, meu nível de análise, a obra em si, a teoria, da política e do movimento. Pensei mais no texto de Lacan do que em suas qualidades ou defeitos como pessoa e nos avatares de sua vida. Com este recorte instrumental, analisarei suas ideias. Vou deixar de lado a discussão sobre o movimento psicanalítico, os homens e a política institucional.
Em um mundo em que se criticam ou se aceitam teorias, de acordo com questões secundárias e até da moda, a reflexão científica se impõe como uma tarefa afastada, tanto quanto possível, da luta pelo poder, da busca de posições dentro do movimento ou da aspiração de êxito social. Por vezes, a crítica equânime e racional parece uma utopia inalcançável. A estás dificuldades deve-se acrescentar uma, fundamental: a psicanálise não tem um sistema e avaliação empírico, convincente para todos, que permita asseverar a superioridade de uma teoria sobre outra. As demonstrações psicanalíticas podem surgir de uma combinação da experiência, reflexão crítica e aproveitamento da capacidade do ser humano em apreciar a verdade. A atitude emocional que buscamos procura integrar a aceitação amistosa do pensamento alheio com certa cautela, em relação às expectativas exageradas que cada teoria  possa causar.
O "fenômeno" Lacan converteu-se no centro da vida psicanalítica da França, há trinta ou quarenta anos. Dali se difundiu  para outros ambientes, como alguns países europeus e latino-americanos. Sua influência nos Estados Unidos e Inglaterra é quase nula,pelo menos até o momento. Suscitou partidários acérrimos e críticos recalcitrantes. Como toda teoria, serviu para estudar novos problemas e também, lamentavelmente, como bandeira política.
Depois da morte da Lacan, a luta por sua herança desencadeou batalhas violentas entre facções rivais. A escola lacaniana está, atualmente, bastante fragmentada. Contudo, ao meu juízo, é a mais sólida.  
Introduzidos os comentários, amanhã continuamos....
P.S.: Na publicação de hoje, a foto ilustrativa é minha... no consultório... aos atentos, podem reparar o divã freudiano, e quadros de Narciso e Freud... 
Fraterno Abraço
André       

terça-feira, 22 de outubro de 2013

A Técnica Psicanalítica. O Sujeito do Suposto Saber, A Palavra Plena e o Ato Simbólico!

Confesso: eu tinha um plano quando comecei a escrever essa série sobre a técnica psicanalítica onde já abordei a transferência e pretendo encerrar hoje com os temas propostos no título da presente publicação.
Tenho visto muita gente falar de Lacan referindo-se à frases soltas, à ditos chamativos tirados aleatoriamente do conjunto da obra, e que sei ficam "atraentes" numa expressão solitária e acompanhada de uma bela imagem tirada do Google. Acho legal isso (também!). Contudo, planejei nesta série que hoje termino, compartilhar um pouco mais aprofundadamente os ensinamentos de Lacan. Espero ter conseguido.
Então... segue o baile!!!!
Até aqui, desenvolvi o ensinamento de Lacan em suas formulações acerca da origem da transferência, enquanto expressão da ordem significante. Devemos, agora, considerar o papel que tem, na relação intersubjetiva, estabelecida entre paciente e analista, a relação que também se move no registro imaginário.
No capítulo XVIII do seminário  Les quatre concepts fondamentaux de la psychoanalyse, Lacan estuda a fenomenologia da transferência, propondo que ela se baseia na existência do SUJEITO SUPOSTO SABER.
Quando um indivíduo se dirige a outro, colocado no lugar do Sujeito Suposto Saber, a transferência está bem fundamentada.
Diz Lacan no seminário citado:
"...a psicanálise nos mostra, sobretudo na fase da partida, que o que mais limita a confiança do paciente, sua entrega à regra analítica, é a ameaça de que o psicanalista seja enganado por ele."
O paciente retém certos elementos, para que o analista não vá depressa demais. Segue o mestre:
"... Em torno deste enganar-se, que alberga a balança, o equilíbrio, deste ponto sutil, infinitesimal, que quero acentuar. O sujeito sabe que não querer desejar possui, em si, algo tão irrefutável como uma fita de Moebius (figura ilustrativa no final do texto) que não tem avesso, isto é, que, ao percorrê-la, chegar-se-á, matematicamente, ao lado que se julgava o oposto."
É neste ponto de encontro que o analista é esperado. Como o analista supõe-se que saiba, também se supõe que venha ao encontro do desejo inconsciente. Neste ponto se articula a transferência.
O aspecto como com o paciente é, precisamente, o desejo do analista. Recordemos, além disso, que o desejo do homem é o desejo do Outro.
Pergunta Lacan:
"...Se somente no nível do desejo do Outro o homem pode reconhecer seu desejo, enquanto desejo do Outro, não ocorreria nele algo, que deve lhe parecer obstaculizar seu desvanecimento, que é um ponto no qual seu desejo nunca pode ser reconhecido?" 
Reitero que o sujeito está alienado na ordem significante. Porém, a alienação está essencialmente vinculada ao par de significantes, Não é a mesma coisa, haver dois ou haver três. Quando há dois, um dos termos fica eclipsado, e isto, essencialmente, constitui a alienação. Quando há três, pode se estabelecer uma relação circular entre eles.
Devemos, agora, nos perguntar que é, para Lacan, o objetivo último da análise. O que é proposto com sua técnica, já que renuncia a utilização da interpretação transferencial para seus fins. Procuro esclarecê-lo. Sua perspectiva, eminentemente estruturalista e linguística, portanto articula seus fins terapêuticos com consonância com o enfoque, a partir do qual é definido o sujeito e o inconsciente.
No seminário mencionado, Lacan diz que, assim como Descartes introduziu o sujeito no mundo, Freud disse ao sujeito que onde estava o sonho, era onde  era ele mesmo.
A frase freudiana " WO es war, soll ich werden" não significa, como geralmente se traduz, que o ego deve desalojar o id. Quer dizer que onde isso ( rede de significante) estiver, está o sujeito. "Isso" é a rede de significantes, o inconsciente, o sonho. Diz Lacan: " Mas o sujeito está ali para se encontrar de novo, ali aonde era - antecipo - o real."
Dos escritos de Freud, em particular da carta 52 a Fliess, pode-se deduzir que, de forma latente, Freud já tinha notado que a rede não pode ser constituída ao acaso. " Os significantes não puderam se constituir simultaneamente, mas devido a uma estrutura muito definida da diacronia constituinte. A diacronia é orientada pela estrutura."
O acesso a "PALAVRA PLENA" permite a estruturação do sujeito em sua verdade como tal. No seminário Les écrits techniques de Freud, Lacan diz:
" A palavra plena é aquela que indica, que forma a verdade, tal qual ela se estabelece no reconhecimento de um pelo outro. A palavra plena é a palavra que faz ato. Depois de sua emergência, um dos sujeitos já não é o que era antes. Por isso, esta dimensão não pode ser eludida na experiência analítica.
A experiência analítica convoca, portanto, a palavra plena. Esta aparece na hiância, nas dificuldades do discurso.
De resto, e finalizando, Lacan propõe sobretudo , não um afastamento, mas um RETORNO a Freud para resolver as contradições que surgem na experiência, considerar a questão das relações entre analisando e analista, no plano da economia narcisista do sujeito. Na sua opinião, a transferência é plurivalente, intervindo nos três registros: Imaginário, simbólico e real.

Espero que tenham gostado, e que meu plano tenha dado certo... risos...
Fraterno abraço!
André



    


   

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A Técnica Psicanalítica. A Transfêrencia III

Lembra Lacan, em seu informe de Roma, que o inconsciente é a soma dos efeitos da linguagem. A transferência, de acordo com as preposições de Freud, expressa-se em um interrupção do discurso, em um fechamento do inconsciente. Mas, por isso mesmo, a presença do analista deve ser vista como uma expressão de sua existência. Acrescenta: " Podemos chegar a crer que a opacidade do traumatismo- tal como é mantida em sua função inaugural pelo pensamento de Freud, isto é, para nós, a resistência da significação - então é considerada, principalmente, como responsável pelo limite da rememoração. Depois de tudo, poderíamos nos encontrar, comodamente, em nossa própria teorização, reconhecendo que então se dá um momento muito significativo da transição de poderes do sujeito ao Outro, ao que chamamos de grande Outro, o lugar da palavra, virtualmente o lugar da verdade."
Concluí Lacan:
"Em vez de ser a transmissão de poderes para o inconsciente, a transferência é, ao contrário, seu fechamento."
No mesmo manifesto de Roma, Lacan critica duramente a psicologia do ego e a sua proposta de si aliar à parte sadia desta instância psíquica. Propõe que, quando se apela ao ego, ignora-se que é exatamente esta parte que está interessada na transferência e que, portanto, é quem "fecha a porta", deixando " a bela" ( o inconsciente) atrás dela.
Recordemos os último, a proposta freudiana relativa a que a transferência é uma das expressões da compulsão à repetição e, definitivamente, da pulsão de morte. Fiel à sua teoria da estrutura inconsciente, Lacan postula que a repetição é um efeito significante, não se reduzindo a um fenômeno emocional.

Assim, encerro a série sobre a transferência, e abro caminho para amanhã, conversarmos sobre o Sujeito do Suposto Saber...
Fraterno abraço
André  

     

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Técnica Psicanalítica. A Transfêrencia II

A experiência analítica se diferencia das outras doutrinas psicológicas porque se desenrola, inteiramente, de sujeito a sujeito. Na psicanálise, há um diálogo intersubjetivo, por existir uma escuta.
O Caso Dora que já citei aqui pode ser reexaminado, à luz destas ideias, como uma sucessão de inversões dialéticas. Diz Lacan: " Trata-se de uma escansão das estruturas na qual a verdade se transmuta para o sujeito e que não toca apenas sua compreensão das coisas mas sua própria posição, enquanto sujeito, do qual os "objetos" são função. Isto é, o conceito da exposição é idêntico ao progresso do sujeito, ou seja, à realidade da cura." ( 1951)
Na epicrise do Caso Dora, Freud define a transferência como o obstáculo contra o qual se chocou a análise. Lacan estuda este tratamento, destacando as etapas através das quais é decidido seu destino. Cada momento da análise corresponde a um desenvolvimento de Dora, ao qual Freud contesta com uma inversão dialética. O processo se detém quando cessam estas inversões. Acompanhemos Lacan em sua exposição.
O primeiro desenvolvimento da verdade consiste em uma afirmativa ( dados biográficos, amores de seu pai com a Sra. K, etc.), nos quais se expõe como objeto, dizendo a Freud: " Estes fatos estão ai, procedem da realidade e não de mim. O que você quer mudar neles?"
Freud responde com a primeira inversão dialética: Chama Dora, para observar que parte toca a ela nas desordens daqueles de quem se queixa.
Isso dá lugar a uma segunda formulação da verdade. Dora admite sua cumplicidade com os amantes. Revela uma relação edípica, na qual aparece manifestamente ciumenta da relação entre o pai e a Sra. K.
Freud responde com uma segunda inversão dialética. Não é o pretenso objeto do ciúme que dá seu motivo, mas mascara com ele um interesse pela pessoa do sujeito - rival, expressando de forma invertida. Istoé, Freud sugere que Dora não sente ciúme de seu pai por sua relação com a Sra K, mas da relação desta com seu próprio esposo.
Isto leva Dora a uma terceira formulação da verdade. A atração de Dora pela senhora K, que deveria ter suscitado em Freud uma terceira inversão dialética: como é que, se você tem em tão alta estima  esta pessoa, não sente como uma traição o jogo de intriga que a senhora K fez contra você?
Esta terceira inversão poria a descoberto a escolha de objeto homossexual de Dora e o valor de "mistério" que a Sra K. tem para ela, que representa, por sua vez, o mistério de sua própria feminilidade corporal.
Qual teria sido, então, o quarto desenvolvimento?
Provavelmente a recordação infantil de Dora, chupando o polegar  e puxando a orelha de seu irmão. Esta recordação mostraria a identificação imaginária em que Dora tinha ficado presa: seu irmão.
Assim, Dora se identificaria com o Sr K. e com Freud e sua relação com ambos " manifesta essa agressividade, na qual vemos a dimensão própria da alienação narcisista", como diz Lacan. desvendar este fenômeno teria evitado a interrupção do tratamento.
Freud, por seu turno, diz que: 1) o erro foi não interpretar a transferência; 2) poderia haver um identificação homossexual.
Das duas alternativas, Lacan sintetiza que é a dificuldade de Freud para interpretar a homossexualidade de Dora ( por preconceito admitidos pelo pelo próprio Freud), o que prejudicou a transferência negativa. É devido à contra-transferência que Freud não consegue ver o conflito em sua paciente.
Lacan assim define a transferência: 
" Ela não pode ser considerada como uma entidade totalmente relativa à contra-transferência, definida como a soma dos preconceitos, das paixões, das perplexidades, até da insuficientemente informação do analista, naquele momento do processo dialético? O Próprio Freud não nos diz que Dora teria podido transferir para ele o personagem paterno, se ele tivesse sido bastante tolo para acreditar na versão das duas coisas que o pai  lhe representava?
Dito de outra maneira, a transferência não é nada real no sujeito, mas o aparecimento, em um momento de estancamento da dialética analítica, dos modos permanentes segundo os quais constitui seus objetos."  
Assim, a transferência não leva a nenhuma propriedade misteriosa da afetividade, e mesmo quando é delatada, sob um aspecto de emoção, esta não adquire seu sentido senão em função do momento dialético no qual é produzido.
Mas este momento é pouco significativo, pois, comumente, traduz um erro do analista, embora somente seja o de querer demais o bem do paciente, cujo perigo, muitas vezes o próprio Freud denunciara.
A partir de Freud, pensa-se a transferência como um fenômeno, cuja origem está no paciente, dirigido para o analista. É o doente que transfere e deposita na pessoa do psicanalista imagos arcaicas. Lacan vira a luva, e opina:
"Quando a transferência se apresenta, é porque o analista pôs em jogo, na análise, seus próprios preconceitos, seus pontos cegos e seus conflitos inconscientes. A transferência não se revela apenas no conflito do paciente, ativa-se pelo conflito inconsciente do terapeuta."
Esta perspectiva é mais tarde (1964) completada, onde Lacan rediscute a transferência e manifesta:
"Mesmo que devamos considerar a transferência como um produto da situação analítica, podemos dizer que esta situação não poderia criar, em sua totalidade, o fenômeno, pois, para produzi-lo, seria preciso que houvesse, fora dela, possibilidades já presentes, que proporcionariam  sua composição, talvez única. Isso não exclui, de modo algum, quando não há analista no horizonte, que possa haver então, propriamente, efeitos de transferência."

Mais uma vez, me perdoem os não iniciados... mas tenho a responsabilidade de ser fiel ao movimento psicanalítico, e temo estar sendo enfadonho. Aos interessados, estou a disposição.
Amanhã seguimos....
Fraterno abraço!
André


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A Técnica Psicanalítica. A Transferência I

Então... sigamos...
De imediato, digo que o pensamento clínico e técnico que aqui abordo, encontram-se na obra de Lacan em vários de seus escritos. Especificamente para essa série de publicações, cito os seguintes: "Intervention sur le transfert"(1951), Le seminaire de Jacques Lacan e Les écrits techniques de Freud (1975), Function et champ de la parole du langage en psychoanalyse (1953) e L'instance de la lettre dans L'inconscient ou La raison depuis Freud ( 1957).
As considerações técnicas de Lacan são solidárias com a hierarquia que a linguagem técnica lhe dá ( tesouro do significante) em sua interação com o registro imaginário (identificação narcisista). 
Se a linguagem aliena o sujeito e o converte em significante dentro de uma estrutura, é a linguagem que deve desaliená-lo. Lacan questiona as correntes pós- freudianas que seguem a linha das relações de objeto, hierarquizando a importância do vínculo emocional do analista. Para ele, o esquecimento da função da palavra, entre outros fatores, levou ao estancamento da disciplina.
Quanto à teoria da transferência, afasta-se do critério clássico em vários pontos. Lacan considera que, se o analista interpretar adequadamente, mantendo o processo analítico dentro de comparações dialéticas adequadas, não só a análise não se interrompe, como não se instala a transferência. Em seu escrito de 1951, diz que a transferência do paciente é a resposta a um preconceito do analista. Se o analista surgir, de imediato, como aquele que sabe, fica instalada a transferência. Em princípio, é a estrutura intersubjetiva que dá lugar ao seu aparecimento.
Para Lacan, como estruturalista,  o que explica a transferência é a disposição e a organização do campo. É um ponto de vista alternativo àquele que sustenta a transferência, desdobrada como expressão do conflito do paciente, é que organiza o campo. Lacan acredita que Dora (O Caso Dora de Freud) vê Freud como seu pai (com todas as consequências que isto traz), porque Freud tinha um preconceito acerca de sua escolha de objeto: Como Dora era mulher, seu objeto de amor devia ser o Sr. K. Do ponto de vista sustentado por outros analistas, para a compreensão da transferência, pensa-se que Dora repetiria, inexoravelmente, o vínculo com seu pai e poderia ver Freud como se fosse aquele, independentemente  do que este interpretasse ou qual fosse a contra-transferência do analista.
Quero introduzir nesta síntese técnica, a ideia do Sujeito do Suposto Saber. Pareceria, como o nome diz, que o analista sabe tudo o que o paciente ignora.
Revelará seu saber na interpretação; o paciente procurará este conhecimento e, ao reconhecer esse papel no analista, também procurará seu amor. O analista pode, equivocadamente, assumir este papel e " encher" o paciente com seus conhecimentos, em lugar de deixá-lo revelar sua verdade pela palavra.
Se se colocar no lugar imaginário ou especular, oferecer-se-á ao paciente como aquele que conhece a verdade, mas como garantia de que se utiliza de um método, a palavra, com a qual a verdade será posta em evidência. O analista, como o pai do complexo de Édipo, pode crer e fazer seu paciente crer que é o falo, desconhecendo que haja uma Lei, um Outro, ao qual ambos, paciente e analista, devem se remeter.
Peço perdão ao não iniciados, se a linguagem está sendo muito técnica. Procuro simplificar ao máximo, mas realmente tenho que seguir este padrão.
Estarei contudo, sempre a disposição no meu perfil pessoal...
Amanhã seguimos...
Fraterno abraço
André

  

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A Técnica Psicanalítica. A Transferência!

Meus prezados amigos!
No tema em questão, devo permanecer por algum tempo e em várias publicações uma vez que no tema técnica psicanalítica, vou abordar a Transferência, o Sujeito do Suposto Saber, a Palavra Plena e o Ato Simbólico. 
Antes de entrar no assunto porém, impõe-se alguns comentários gerais sobre a relação entre a teoria psicanalítica e a técnica. Quanto mais precisa for a teoria da técnica, a prática clínica, ao se ajustar a ela, deverá percorrer um caminho mais científico e seguro.  Não pode ser subestimada, portanto, a intenção de estabelecer as categorias da técnica, seus parâmetros e operações, que são deduzidos a partir de concepções mais gerais, como a do inconsciente, a transferência ou a estrutura do conflito. Os princípios da associação livre, a análise dos sonhos, a neutralidade do analista, a análise da transferências (oriundos de Freud "o criador"), universalmente aceitos, servem para encaminhar a tarefa clínica do analista, tornando-a mais eficaz. Mas assim acontece com as constituições dos países. Existe a letra, e também sua aplicação. Não é irrelevante que a letra seja adequada, a melhor possível. Porém, depois virá sua aplicação e, então, o problema será dirimido na saúde mental do analista, em sua capacidade, integridade e análise pessoal. Qualquer constituição pode ser subvertida em sua aplicação e qualquer teoria da técnica pode ser invocada para os piores excessos e erros.
À propósito:
Não conheço profundamente nada da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Li apenas seu livro autobiográfico (Memórias, Sonhos, Reflexões) e confesso que achei que Jung, escrevendo nos últimos anos de sua vida, ainda se sentisse perturbado pelo episódio de 1913 (rompimento com a Psicanálise e com Freud) . Sendo Psicanalista, Freudiano/Lacaniano, não considero Jung e sua Psicologia Analítica, parte do movimento psicanalítico pós 1913. A personagem Jung, seus relacionamentos pessoais, atitudes e práticas profissionais se baseiam nos volumosos registros disponíveis. Mas são minhas, como não poderia deixar de ser, a interpretação desse material e a expressão verbal que ora manifesto.
Interessa assim, a mim, discutir e apresentar as ideias de Lacan, no plano da teoria da técnica. No transcurso, vou falar  sobre a diferença entre teoria psicanalítica e movimento psicanalítico. O movimento inclui muitos problemas de diferentes níveis: conflito de pessoas, características das instituições como fenômenos sociais e, evidentemente, questões ideológicas gerais que se misturam com as do movimento. Também na teoria incidem alguns destes fatores.
Lacan mudou vários dos critérios técnicos clássicos da psicanálise freudiana, mesmo insistindo que o futuro do movimento dependia de um retorno à Freud. Isto, entre outras coisas, foi um dos motivos manifestos de sua expulsão da Associação Psicanalítica Internacional. Ele pensa que no discurso do paciente pode haver palavra vazia e palavra plena. Há algo que se omite no discurso, quando o paciente recorre ao "molinete de palavras", esperando a gratificação narcisista de seus conflitos ou envolver neles o analista. O imaginário é mantido, ficando obstaculizado o acesso à verdade. Para tirar o paciente das fascinações especulares, Lacan apela mais à interrupção da sessão do que à interpretação. Crê que um corte adequado conseguirá, através do ato, um efeito simbólico, instaurando o Outro e a palavra plena. Procura-se desalienar o sujeitos de suas imagos, restaurando a verdadeira história, os determinantes de seu ser, os enganos do sintoma. O ato acentua, rompe, causa uma saída do imaginário; leva à palavra plena.
Dito isso, espero que tenha conseguido introduzir o tema... e amanhã entramos efetivamente na Transferência.
Fraterno abraço
André
   

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A Constituição do Sujeito... (Aplicações teóricas e clínicas) III

Também na relação analista/paciente, mantêm-se as imagos narcisistas. Tu és meu discípulo, portanto sou teu mestre.  Uma coisa leva à outra, circularmente. Nada irrita mais do que a intenção do outro de sair do jogo, pois tropeça no que sou. Se o paciente não admite sê-lo, desgosto narcisista do analista. Se o analista questiona uma certeza do paciente, desperta nele outra tensão agressiva.
O imaginário interage com a ordem do simbólico do tesouro do significante.
Lacan, com sua teoria do imaginário, produz uma reviravolta muito interessante no problema da agressividade humana. Propõe que todo questionamento de nossas fascinações especulares causa uma visão paranoica do mundo. Basta dizer a alguém que não tem razão, que não é a quem acredita ser, mostrar-lhe um ponto onde se limita a asseveração de si, para que surja a agressividade. Lacan considera a pulsão de morte como expressão do narcisismo. Posteriormente, fa-la-á interagir, também, com o registro do simbólico. Ao abandonar a biologia, como fator explicativo para a agressividade, resta apenas o efeito da estrutura narcisista, tornando tudo mais simples e lógico. Por outro lado, para que a fratura seja possível, deve-se admitir que, antes da identificação com a gestalt antecipada, o indivíduo devia ter uma imago ou representação deslocada.
As imagens fantasmáticas demonstradas do processo agressivo, segundo Lacan, são imagens originárias. Fazem parte de uma herança mítica, simbólica, que o homem recebe de seus antepassados de maneira ineludível. Se uma pessoa sentir como agressiva a afirmativa: " creio que isto te será muito difícil" é, diria Lacan, porque esta afirmativa está questionando a imago onipotente , poderosa, íntegra, com a qual se identificara no estágio do espelho. Mas, simultaneamente, se o questionamento se tornar possível, é porque, em alguma parte de sua mente, o indivíduo percebe a possibilidade de ser fragmentado, criticado ou desintegrado. Esta representação a priori faz parte do acervo que herdou, somente pelo fato de existir como ser humano.

Fraterno abraço
André
     

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

A Constituição do Sujeito... (Aplicações teóricas e Clínicas) II

Sigo então, dando sequência ao assunto....
A agressividade, fenômeno que sempre foi polêmico em psicanálise, produz-se quando é questionada a imago especular que se construiu.
Na conferência intitulada "L´agressivité en psychoanalyse" (1948), Lacan enuncia várias teses que,em conjunto, procuram demonstrar que a agressividade, como vivência essencialmente subjetiva, surge do encontro entre a identificação narcisista, da qual o indivíduo é portador, e as fraturas, clivagens, rupturas, às quais a imago está submetida. Esclarece que este efeito da ação do outro sobre o ego especular somente pode ser verificado porque, antes da identificação antecipatória, o sujeito tem uma imago fantasmática de si mesmo, correspondente à do corpo fragmentado.
No começo da conferência mencionada, em sua tese II, Lacan explica: "  A agressividade, na experiência, nos é dada com intenção de agressão e como imagem de deslocamento corporal, e é deste modo que se demonstra eficiente." 
Basta recordar os jogos e os desenhos das crianças, nos quais arrancar a cabeça, abrir o ventre, estripar a boneca constituem eventos completamente naturais.
Acrescenta Lacan : " deve-se folhear um álbum que reproduza o conjunto e os detalhes da obra de Hyeronimus Bosch, para reconhecer neles o atlas de todas estas imagens agressivas que atormentam os homens...Voltamos a encontrar, constantemente, estas fantasmagorias nos sonhos, especialmente no momento em que a análise parece ir se refletir no fundo das fixações mais arcaicas... São todos dados primários de uma gestalt própria da agressão no homem, ligada ao caráter simbólico...".
Tomando como base estas evidências primitivas e a função integradora que o estágio do espelho realiza, Lacan ainda postula: "A agressividade é a tendência correlacionada, a maneira de identificação, que chamamos de narcisista, e que determina a estrutura formal do ego do homem e do registro de entidades características de seu mundo".
Com o imaginário, que instaura o estágio do espelho, começa, em Lacan, a reflexão sobre a intersubjetividade humana. Relação entre o sujeito e o semelhante, entre a criança e a mãe, do homem com o outro. Captação do desejo humano no desejo do outro, através do olhar. Lacan retoma a reflexão hegeliana da Fenomenologia do Espírito, especialmente a "Dialética do Senhor e do Escravo". É na relação interdependente, mútua, de imprescindível necessidade entre os dois membros do diálogo, que se constitui a identidade. É-se senhor porque existe o escravo, e vice-versa. Dialética da intersubjetividade em uma organização dos lugares, através da estrutura.
O olhar do outro produz em mim minha identidade,por reflexo. Através dele, sei quem sou e, nesse jogo narcisista, me constituo a partir de fora.
O olhar deve ser entendido como uma metáfora geral: é o que pensam de mim, o desejo do semelhante, o cartel e o espetáculo de propaganda, o posto na família, no trabalho e na sociedade. Identificação no outro e através do outro, este é meu eu. Lacan diz, em uma fórmula: O lugar de moi é i(a), identificação com o desejo de a, autre (outro). Torna-se evidente que então também se inicia a temática de alienação. 

Fraterno abraço!
André  


terça-feira, 8 de outubro de 2013

A Constituição do Sujeito ...(Aplicações teóricas e observações clínicas)

Devo permanecer no tema, pois os comentários foram muitos e muitas vezes questionadores. Entendo que o tema "Constituição do sujeito" em Lacan, é algo que deve ser muito debatido e creio que na medida em que cresce o questionamento, evolui o entendimento. Então sigamos:
Para Lacan, o complexo de Édipo se desenvolve em três momentos, dos quais o estágio do espelho constitui o primeiro. O devir psíquico transcorre desde a identificação narcisista, na ordem imaginária, até a identificação simbólica com a Lei do pai, ao concluir o Édipo. Entre estes dois pontos, situa-se o momento em que a relação diádica com a mão marca a criança, definindo sua identificação com o outro, ou melhor, como o desejo do outro. No estágio do espelho, a criança se identifica com uma imago antecipatória de si mesma. m um segundo momento, fá-lo com o desejo da mãe. Finalmente ao assumir a castração e compreender que nem seu pai nem ela são o falo, que somente podem transmiti-lo de geração em geração, ingressará na ordem simbólica, aceitará a lei. Este último passo constituiria o que, tradicionalmente, é denominado de " dissolução do complexo de Édipo", embora, na realidade, os três estilos de identificação coexistam, misturando-se durante toda a vida.
O tipo principal de identificação, com o qual funciona um sujeito, tem grande importância psicopatológica. Lacan propôs que tanto as psicoses como as perversões se assentam mas em um estilo identificatório da ordem do imaginário, do que da ordem do simbólico. O não aceder à ordem do simbólico, à lei, produzirá no psicótico, segundo Lacan, o uso peculiar da linguagem que o caracteriza. O psicótico tem um vínculo com sua mãe no qual não há espaço para um terceiro, não há lugar para a triangulação edípica. A mãe ilude o filho com a crença de que ele é seu falo, o filho vive a ilusão de sê-lo. A ausência do pai (não me refiro aqui à ausência real do pai, mas à sua ausência no discurso da mãe) obstaculiza o ingresso do sujeito na ordem do simbólico. Mãe e filho compartilham uma ficção e, na verdade, esta ficção é a psicose.
Amanhã, vou abordar dentro do mesmo contexto a questão da agressividade.
Fraterno Abraço!
André

  
    

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Ainda falando do Papel do outro (a) na constituição do Sujeito)

Espero que tenham gostado do texto anterior  e continuo no tema, evoluindo para melhor entendimento e quem sabe atender expectativas frustadas... risos
Ensina Lacan:

" O ponto importante é que esta forma situa a  a instância do eu, ainda antes de sua determinação social, em uma linha de ficção, irredutível, para sempre, pelo próprio indivíduo; ou então, que só assintoticamente tocará o devir do sujeito, seja qual for  o êxito das sínteses dialéticas por meio das quais tem de resolver, enquanto eu (je), sua discordância a respeito de sua própria realidade."

Como vimos na citação acima, eis o velho e bom pedantismo intelectual do mestre...risos
Mas, elaboremos... risos...
Somente pelo fato de viver com outros homens, os seres humanos ficam presos, irreversivelmente, em um jogo de identificações que os impelem a repetir aquela relação com a imago antecipatória. Quando uma mulher diz a seu filho: "és a criança mais linda do mundo", o está introduzindo nesta dialética, da qual a criança, futuro adulto, jamais poderá escapar. A introdução do registro simbólico, através da problemática edípica, atenuará ou modificará estas imagos especulares, mas nunca conseguirá acabar com elas.
O Eu assim constituído é, para a teoria lacaniana, o ego ideal, diferentemente do ideal de ego. O ego ideal é uma imago antecipatória prévia, o que não somos mas queremos ser. Imagem mítica, narcisista, cujo alcance persegue o homem incessantemente. A estátua, o uniforme, o herói são significantes com que o ser humano substitui aquela ilusória assimetria primitiva. O ideal de ego,pelo contrário, surge da inclusão do sujeito no registro simbólico. Por ser impossível e tornar esse personagem lendário, poderoso, perfeito, o indivíduo aceita fazer parte de uma estrutura, da qual é perpetuador. Seu papel é transmitir a lei. É apenas um elo da cadeia: o homem entregará a seus filhos o nome ( e as normas) que, por seu turno, recebeu de seu pai, que as recebeu de seu próprio genitor, e assim sucessivamente.
Portanto, o ingresso na conflitiva edípica constitui o grande desafio às ilusões narcisistas forjadas no estágio do espelho. Mas estas marcam, de maneira definitiva, o que sucederá no Édipo. Assim, o ego ideal e o ideal de ego estão em permanente luta e interação.




Fraterno abraço
André  

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Narcisismo. O Papel do outro na Constituição do Sujeito!

O Estágio do Espelho na formação da função do sujeito começou a ser abardado por Lacan no Congresso Psicanalítico Internacional em 1936 (onde não foi muito aceito) e foi se converter em clássico em 1949 quando assumiu sua versão definitiva. Foi incluído nos "Ecrits" de 1966 com o título original de "Le stade du mirroir comme formateur de la fonction du Je telle qu´elle nous est revélée dans l´expérience psychanalytique".
Lacan parte de um fato observado na psicologia comparada: o bebê, ao redor dos seis meses, reage jubilosamente diante da percepção de sua própria imagem refletida no espelho. Esta reação contrasta com a indiferença que outros mamíferos demonstram ante seu reflexo especular.
A que se deve esta resposta? Que consequências tem no desenvolvimento psíquico do ser humano? Em torno destas perguntas, Lacan desenvolve uma teoria sobre o narcisismo e a identificação primordial.
Na minha opinião, este tema constitui uma das contribuições mais destacadas da teoria lacaniana, pois encara o estudo do fenômeno narcisista de uma perspectiva original. Em sua formulação se conjugam, de maneira ajustada, fatos de observação clínica, conceptualizações de nível teórico e de um modo muito profundo de entender as relações do homem, não somente com a mãe, mas também com o contexto cultural em que vive.
Lacan ensina que o ser humano tem uma representação fantasmática do corpo, na qual este aparece fragmentado. A imago de seu esquema corporal fragmentado continua a se expressar durante a vida adulta nos sonhos, delírios e processos alucinatórios. Concebe seu corpo como quebrado ou sujeito a se partir em pedaços. Sinal de imaturidade? De prematuridade? resultado das vivências relacionadas à incoordenação motora, própria dos primeiros meses de vida?Imago arcaica compartilhada por todos os homens, em todas as culturas? Mito? Lacan recorre a todas estas explicações, em diferentes momentos, para explicar um fato de inquestionável verificação clínica.
A imagem de seu próprio corpo, refletida no espelho, surpreende o lactente, pois se vê esculpido em uma gestalt que nada mais é do que uma imagem antecipatória da coordenação e integridade que não possui naquele momento.
Nesta identificação com uma imago que não é mais do que a promessa daquilo que virá a ser, há uma falácia: o sujeito se identifica com algo que não é. Na verdade, acredita ser o que o espelho ou, digo logo, o olhar da mãe lhe reflete. Identifica-se com um fantasma; usando o termo lacaniano, com um imaginário. Desde muito cedo, o homem fica preso a uma ilusão, da qual procurará se aproximar pelo resto de sua vida. Ser um herói, ser Super Man ou o Spider Man, ser um gênio, não são mais do que versões do processo imaginário. Portanto, vemos que o estágio do espelho não é apenas um momento do desenvolvimento do ser humano. É uma estrutura, um modelo de vínculo que operará durante toda a vida. No seio da teoria lacaniana, é conceptualizado como um dos três registros que definem o sujeito: O registro imaginário.
Fraterno Abraço!
André