quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O Psicanalista no Tratamento Oncológico/ Quimioterápico - A desistência!

Começo minha crônica citando "in verbis" ;

Título [Principal]: Fatores associados a não-adesão ao tratamento de mulheres com cancer ginecologico ou mamario
Autor(es): Nancy Mineko Koseki
Palavras-chave [PT]:
Câncer, Adesão , Mama, Aparelho genital feminino,
Área de concentração: Tocoginecologia

Resumo: O objetivo deste trabalho foi identificar fatores associados à não adesão das mulheres com câncer ginecológico ou mamário à conduta terapêutica proposta, avaliando, conjuntamente, as causas de tratamento incompleto, por progressão da doença, toxicidade à terapia e abandono pela paciente; em seguida, considerando apenas o abandono. É um estudo de coorte retrospectivo realizado com os dados de 213 mulheres, atendidas como caso novo, no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (CAISM/UNICAMP), em 1990. A avaliação estatística foi realizada por meio dos testes do Qui-Quadrado, com nível de significância de 5%; risco relativo e risco relativo ponderado, Mantel Haenszel, com seu correspondente intervalo de confiança de 95%. Com o objetivo de estudar a influência de algumas variáveis, foi utilizada a análise de regressão logística. Das 213 pacientes incluídas, 26% não concluíram o tratamento e mais da metade destas, por abandono. Mulheres com mais de 64 anos apresentaram um risco duas vezes maior de não completar o tratamento que aquelas com menos de 55 anos. Esse risco foi três vezes maior entre as pacientes com câncer de mama. O risco de não concluir o tratamento aumentou progressivamente com o estádio da doença. Tanto a quimioterapia quanto a radioterapia estiveram associadas a não-adesão por progressão, toxicidade ou abandono; porém, a associação foi maior entre as usuárias de quimioterapia. Das cirurgias propostas, menos de 10% não foram realizadas. O abandono, como causa de não-adesão, esteve associado com idade acima de 64 anos, estádio avançado da doença, câncer de mama e quimioterapia. Pode-se inferir, neste estudo, que a não-adesão ao tratamento prescrito também ocorre entre mulheres com câncer e, que o aconselhamento, educação e motivação das pacientes e seus familiares desde o diagnóstico, possibilitariam o aumento da proporção de mulheres que completariam o tratamento.

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Mas e dai senhor psicanalista??? Onde é que tu entras nisso? Com que base tu vais direcionar o tratamento de teu paciente oncológico no sentido de aconselhar, educar e motivar para que o mesmo não desista do tratamento oncológico??
Pergunto eu e respondo eu!
Tudo está em Freud!
Diz o mestre:

"É quase humilhante que, após trabalharmos por tanto tempo, ainda estejamos tendo dificuldade para compreender os fatos mais fundamentais. Mas decidimos nada ocultar. Se não conseguirmos ver as coisas claramente, pelo menos veremos claramente quais são as obscuridades." ( Inibição, Sintoma e Ansiedade, 1926)

Na primeira teoria das neuroses de angústia, Freud estabelece que a explicação da origem da angústia estava no acúmulo de excitação (libido) e esta , recalcada, transformar-se-ia diretamente em angústia.
Na segunda teoria, entretanto, a ênfase é colocada na situação de PERIGO. Os perigos variam ao longo da vida, mas guardam sempre algo em comum: estão relacionados à separação, à perda de um objeto amado, à perda de um amor ou.... o surgimento de um câncer. Esta perda produz situações de insatisfação, e com o acúmulo de desejos insatisfeitos (no caso do paciente oncológico o desejo de estar livre do câncer) surge o desemparo: a situação traumática ´descendente direta do estado de tensão acumulada.
Qual é, pois, a função da angústia, e quando ela se produz? Trata-se de uma reação a um perigo, e ressurge quando algo associado àquilo que ameça se faz presente. O perigo é o câncer. O tratamento oncológico (pois ninguém duvida que o tratamento é extremamente avassalador) é portanto o fator de associação ao que ameaça e causa medo. Ela (angústia) pode surgir tanto como uma reação inadequada quanto como um sinal para evitar que a situação de perigo se concretize. 
Assim, no caso do tratamento oncológico/quimioterápico, é ai que entra o psicanalista.
Fraterno Abraço!
André Lacerda - Psicanalista


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Psicanalista no Tratamento Oncológico Quimioterápico! A dor do cuidador!

O psicanalista já tinha observado aquele jovem médico circulando pelos centros oncológicos onde ambos circulavam (e se cruzavam) e lhe chamava a atenção a jovialidade e entrega do oncologista que certamente estava no início de carreira. 
O Psicanalista pensou (porque psicanalistas pensam as vezes) que ali estava um homem com a entrega e altruísmo indispensáveis ao ofício de cuidar de pessoas. 
Mas...
Mas um dia o psicanalista viu que num dos consultórios do centro oncológico, o jovem médico estava sendo socorrido pela equipe de enfermagem e por um dos outros oncologistas.
Sim.... o jovem oncologista estava com câncer e além de cuidador, era também um paciente oncológico. Estava portanto inserido no combate ao câncer, por todos os prismas e circunstâncias que se pudesse imaginar do front de batalha.
O psicanalista não conseguiu esconder o choque que sofreu quando soube do caso. Não pela doença em si, mas talvez pela juventude e entusiasmo do médico que mesmo estando sendo atendido não parava de manifestar preocupação e cuidados relativos aos seus pacientes que estavam em atendimento, 
Não pelo câncer. Porque alguns oncologistas sofrem de câncer. Porque alguns cardiologistas são cardiopatas. Porque alguns traumatologistas as vezes quebram o pé. E... TODOS os psicanalistas tem avessos!!!!
Mas o choque se deu porque o psicanalista sabia dos efeitos da quimioterapia, e o quanto estava sendo difícil para aquele oncologista desenvolver seu trabalho, mesmo ele mesmo estando em tratamento quimioterápico.
Mas... vida que segue...
Passados alguns dias o psicanalista e o jovem médico compartilharam a mesma mesa do café num dos anexos do hospital. 
O assunto não poderia ser outro. Ou poderia sei lá... mas o fato é que o jovem oncologista foi (como de regra) cordial e generoso:

- Parabéns André pelo teu trabalho junto aos pacientes oncológicos. Quero te encaminhar alguns dos meus pacientes caso tua disponibilidade permita. Tudo bem?
- Claro que sim meu amigo (obviamente que não vou citar o nome do médico, apesar de ele não tem nenhum problema com isso), teus pacientes serão bem vindos e sempre acolhidos. Na verdade não vejo a hora de ser eu mesmo acolhido por eles. 
- Que bom André. Amanha mesmo já te encaminho os primeiros cinco. Agora preciso ir que o dia será longo e ainda não comecei a atender. 
- Como assim?  Estavas em reunião? Te vi chegar logo cedo no hospital? 
- Não André! Não era reunião! Hoje vim cedo porque é dia da minha própria quimioterapia. Acabou agora mesmo uma sessão que me deixou com uma vontade doida de ir pra casa dormir e esperar passar os efeitos da droga. 
- E porque não vai então meu amigo? Queres que eu te leve?
- Não... obrigado psicanalista... volto ao centro oncológico e vou atender 15 pacientes que estão me esperando. A quimioterapia é a minha arma contra meu câncer. Os meus pacientes me dão a vida que preciso para continuar os vendo vivos!

Naquele dia o psicanalista pensou que talvez houvesse alguma coerência no dito popular que "O melhor médico é aquele que já sofreu a dor!".

Fraterno Abraço
André Lacerda - Psicanalista