Por vezes o psicanalista sentia-se completamente impotente e inútil nos centros oncológicos que frequentava. Naquela manhã sentia que sua presença estava sendo absolutamente pífia.
Ouvia... e só ouvia, os ruídos que vinham de uma das salas de quimioterapia....
Percebeu que não eram gritos de dor apenas. Intuiu que eram sons proferidos por mulher jovem e que as dores e queixas só podiam ser do remédio que estava sendo ministrado.
Blindava-se com seus próprios mecanismos de defesa pensando que aquela dor era do remédio que na verdade estava curando e que tudo ia passar. Aos seus pacientes era esse seu principal argumento terapêutico. Mas aquela que sofria na sala ao lado não era sua paciente. Resolveu conferir e quem sabe consolar...afinal??? que mal poderia fazer??? Entrou ...
Ela era jovem. 18? Talvez 19... mas o câncer e o tratamento lhe davam uma aparência de 25... talvez 30...era muito jovem...
A cada tentativa de inciar diálogo obtinha como resposta um ai de dor acompanhado daquele movimento típico estimulado pela náusea.
Tocou levemente sobre a testa dela... estava gelada ... retirou rapidamente a mão imaginando que o toque poderia produzir mais pressão e mais dor....
Percebeu que a comunicação seria impossível naquele momento. Pensou em sair e socorrer-se do auxilio da experiente equipe de enfermagem...Ficou!
Os olhos da paciente se cruzaram com os olhos do psicanalista. Pronto! Vínculo estabelecido.
Os olhos da menina diziam tudo e o psicanalista ouviu com olhos de ver e alma de sentir.
Lembrou-se do Freud que chamava atenção dos aspirantes à psicanalistas que estes deveriam estar atentos à toda forma de estrutura. E como o inconsciente se estrutura em linguagem cabe ao psicanalista entender todas as linguagens.
E aqueles olhos falavam. Não se queixavam. Eles falavam. Eles questionavam:
- E quando eu não tiver mais voz? E quando meus ais não forem mais ouvidos? E quando as pessoas sentirem que o cheiro da minha dor é mais intenso que o meu suave perfume?
E ele ouviu. E ouviu. E ouviu...
Permaneceu amparando e ouvindo até que a jovem adormecesse de dor ou de cansaço.
Não sabe ao certo se ela ouviria o que ele queria falar. Mas ao sair... falou:
- Isso vai passar!
Fraterno Abraço!
André Lacerda - Psicanalista
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