quinta-feira, 22 de março de 2012

Homenagem ao Ari!


Em homenagem ao meu amigo e irmão de ideias e de guerrilhas, republico texto de 2009 daqui do Blog.
À ti meu irmão, e a todos os irmãos da turma de 94 lhes ofereço:

A NOITE BRINCALHONA DA BAHIA


Tenho recebido, com humildade, porém cada vez mais convicto de meus princípios, algumas críticas ( queixas??) sobretudo no que se refere à minha incapacidade de ser religioso, ou para ser mais honesto e objetivo, ao meu ateísmo.
Todos que acompanham o meu trabalho ao longo dos anos, sabem que minha obrigação e minha dedicação, tem a ver exclusivamente com meus pacientes em primeiro lugar, e em segundo lugar com a psicanálise, e que isso impossibilita que meu discurso seja fundamentado em crenças religiosas ou em dogmas de fé, etc.
Aos que não sabem, sou psicanalista Freudiano, e meus princípios analíticos seguem os ensinamentos de Jaques Lacan, e de outras tendências que não se afastem daquilo que Freud preconizou, e que na minha opinião, é a mais eficaz forma de amenizar as dores da alma humana.
Dito isso, quebro o paradigma e hoje, para poder falar da Bahia, vou ter que me aventurar pelo campo religioso...
A noite de Salvador, é como se fosse um campo habitado por rebanhos necessitados de pastoreio como disse Jorge Amado.
Os caminhos tortuosos de Salvador, essa cidade de becos e ladeiras, levam todos à um lugar que se posso chamar de poesia.
Em cada ladeira um ebó , em cada esquina um mistério e em cada coração noturno um grito de súplica, e em cada encruzilhada em Exu solto na perigosa hora do crepúsculo.
Na Bahia, a noite nasce no cais, e dali ela invade a cidade ainda molhada do mar.
E a noite da Bahia, essa mulher vestida de preto, percorre os botequins alegres dançando nas rodas de samba, requebrando sensualmente suas carnes africanas e mexendo seus seios marinhos. E ela brinca não só nos ensaios do Olodum e da timbalada. Ela brinca nas rodas das iawôs ela se faz mais brincalhona ainda.
A noite baiana, desrespeitadora de regras, nessas rodas é o orixá mais aclamado. Cavalo de todos os santos, ela se apresenta em Oxolufã com seus cajados de prata, curvado Oxalá, Yemanjá parindo frutos do mar, Xangô do raio e do trovão, Oxossi das florestas, de Omolu com suas mãos doentes, de Oxumaré das sete cores do arco-íris, o dengue do Oxum e a guerreira Iansã dos rios e fontes de Euá.
Todas as cores e todas as contas, as ervas de Ossani e suas mandingas, seus feitiços, suas bruxarias de sombras e luzes.
Do terreiro, a noite sai para os puteiros mais pobres onde as mulheres idosas vivem seu último tempo de amor e as meninas recém chegadas da área rural aprendem o difícil ofício de meretriz.
Mas ainda assim, é a noite da Bahia. Feita de prata e ouro, brisa e calor. Santa e puta que necessita de presentes para enfeitas ombros e braços, e gargalhadas, e cada ai gemido, cada soluço, cada grito, cada praga e cada suspiro de amor.
O Jorge já citado aqui disse, que pastorear a noite da Bahia, e tratá-la como se ela fosse um rebanho de inquietas virgens em idade de ter homem.
Fraterno Abraço