Era o final do oitavo mês que o Psicanalista estava envolvido de corpo, alma, consciente e inconsciente no projeto onde a figura dele (psicanalista) estava inserida no tratamento oncológico e mais especificamente na quimioterapia.
Respirava, pensava, sentia, estudava, vivia enfim, o câncer...
E no início daquele nono mês pensou que diariamente se deparava com o inexorável: A morte!
E sabia que a morte e o câncer eram dois dos mais terríveis demônios temidos por toda a humanidade.
E sabia que sua função era estar junto com os pacientes enfrentando exatamente esses dois demônios. E sabia (porque o Freud já tinha dito) que jamais sairia incólume desse processo todo...
Inexoravelmente a morte chegou para aquele paciente no terceiro mês de tratamento.
O psicanalista sabia que ele pedia a morte todo o santo (ou puto) dia de sua vida. Várias vezes ao dia... e com veemência...
E o câncer doía. E o tratamento doía. E a comida fazia mal e também doía. E mesmo o oxigênio doía a cada respirada. A vida enfim doía. Queria por fim a última dor: A morte...
Mas... cumpriu rigorosamente todos os procedimentos naqueles noventa e três inacabáveis dias de tratamento.
No início apegou-se à humana esperança e com o passar dos dias não teve mais tempo para ter esperança. A dor não dava tempo pra nada...
O psicanalista estava junto com o paciente no dia da visita da maldita ou bendita morte.
Naquele dia a dor deu uma folga e o psicanalista aproveitou o momento. Passou muito tempo com o paciente e este estruturou todo o desejo que na folga da dor recomeçou a surgir. O desejo da cura. O desejo da vida.
Mas a inexorável morte chegou naquele final de tarde e veio harmônica e calmamente. Sem dor. O psicanalista sabia que a falta de dor vinha da morfina... mas preferiu acreditar que a fatal senhora atendeu o pedido do paciente e chegou vestida de fada trazendo flores brancas e água fresca.
O psicanalista sentiu. Porque psicanalistas sentem. E naquela noite pensou na frase do Freud onde o mestre fala que temos um coração de carne quando deveria ser de ferro.
Na manhã seguinte o psicanalista já estava à postos novamente. Porque mesmo a morte sendo um fato, também a vida e a cura são uma rotina.
E aquela paciente, jovem mulher, sua primeira paciente do projeto, estava lá... firme e forte...
As células afetadas pela oncogênese não mais existiam e o tratamento estava quase no final.
Aquela paciente era a prova que também a vida e a esperança são também inexoráveis.
E naquele dia inteiro respirou, estudou, pensou e viveu com todos os pacientes a inexorável VIDA.
E naquela noite o tinto honesto desceu harmonicamente. E estava em paz, pois sentia que estava onde tinha de estar.
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista
P.S.: Nesse dia mundial da Saúde meu abraço especial à todos os que promovem a VIDA!