Eu juro que queria falar das maravilhas experiências que estou tendo acompanhando o desenvolvimento de minha filha numa das mais bem conceituadas escolas de Porto Alegre.
Andando pelo colégio fico imaginando a luta de Marcelino, estando o mundo ainda com a ressaca da idade das trevas e por fim começando a respirar o iluminismo, na maravilhosa Lyon, idealizando a educação que se tornaria global e de sólida importância na vida de milhões e milhões de jovens...a começar pela minha.
E foi no meio desse pensamento que vi...e vi novamente...e vi dezenas...daí...embasbaquei!
Erwing Goffman, prestigiado psicólogo e escritor, escreveu um livro que deveria ser leitura obrigatória para quem ousasse pensar em porque as coisas são como são. Falo de MANICÔMIOS,PRISÕES E CONVENTOS. Ali, o autor fala das instituições totais, e principalmente dos protagonistas desses nichos da vivência humana.
E daí...lembrei de uma coisa que não sei se é verossímil ou se é apenas uma lenda urbana. Provavelmente é verdade, porque já ouvi de pessoas oriundas do sistema prisional.
Eis a coisa:
Quando um indivíduo (pelas vias mais diversas e que nessa crônica não vamos abordar) começa a cumprir pena na prisão, é sabido que ele é alvo de importunação sexual (estou cuidando pra não mostrar muita violência no que escrevo, mas entendasse como importunação sexual, estupro, curra e toda espécie de violência física).
Pois bem...antes de ser efetivamente estuprado, currado etc, o indivíduo apanha muito...apanha até perder o poder de reagir...e daí....
Até que um dia desiste de querer reagir e pelo menos das surras homéricas ele se livra...
Pra todo mundo saber que não precisa bater mais e que está tudo "certo", o indivíduo adota uma postura de praxe dentro do sistema prisional. Pra mostrar que ele está "aberto" a todo tipo de relacionamento sexual, ele passa a usar as calças bem abaixo da linha da cintura. Mas bem abaixo...aparece a cueca e até partes mais íntimas da anatomia se é que me entendem...
Mas...isso livra o indivíduo apenas do espancamento prévio. Continua no entanto, o estupro, a curra, e todo tipo de agressão sexual...
O sistema se molda. "Mutatis mutandis "...
Então o sistema criou outra convenção.
Quando o indivíduo cansa da rotina "grupal", basta ele manifestar a vontade de casar. Ou seja...não quer mais ser estuprado, currado, violentado por muitos. Escolhe (como se isso pudesse ser chamado de escolha) ser a "noiva" ou a "esposa" de algum outro indivíduo (que tenha capacidade de protegê-lo) e para demonstrar isso, adota outra característica no vestuário: passa a usar meias brancas com chinelo. Isso significa que:
" estou disponível para ser a "noiva" e posso lhe servir como "esposa".
Reli o que escrevo até agora é confesso que fiquei nauseado...
Mas vamos em frente.
O que tem isso a ver com o Iluminismo, com a belíssima história de Marcelinho Champagna, com o Erwing Goffman e a coisa lúdica de lembrar meu tempo de aluno andando pela escola da minha filha????
Tem a ver com o que vi...e vi novamente e vi dezenas de vezes...
Dezenas de meninos e meninas, jovens adolescentes (13,14,15,16,17,18 anos calculo eu),"desfilam" pelos corredores da escola a "moda" das calças caídas (não muitos), e das meias brancas sob os chinelos ( muitos...dezenas)...
Esta escola, uma das mais bem conceituadas de Porto Alegre, não é uma Instituição Total, e a orientação pedagógica é progressista, humanista e de primeira grandeza.
Os meninos e meninas não vivem em fétidas masmorras sob o domínio do medo e da obscuridade.
Será que eles e elas e os pais deles e delas sabem da origem desses "modismos"?????
Ou sera que Umberto Ecco estava certo quando falou que a evolução da tecnologia da comunicação (Internet e as redes sociais) além do acesso fácil à todo o saber humano, também traria a brutal epidemia de imbecis e ignorantes????
Sei lá...
Valei-me São Marcelino.
Valei-me todos os priores do santo iluminismo.
Fraterno abraço.
André Lacerda- Psicanalista