quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Psicanalista no Tratamento Oncológico/Quimioterápico- A Metástase Parte André Lacerda - Psicanalista 2

Estava tudo definido. A cirurgia deveria ser feita o mais breve possível, afinal o tumor estava lesionando cada vez mais o cérebro, e tudo estava inexorável e tristemente encaminhado para o pior.
Feita a internação hospitalar todos os esforços clínicos estavam sendo direcionados para deixar a paciente apta para a realização da cranioplastia salvadora. 
O psicanalista de imediato se integrou com o clínico e com a oncologia. E logo se integrou com o neurocirurgião. 
A rotina era exames clínicos e laboratoriais, medicamentos, fisioterapia, nutrição e todos os cuidados da equipe de enfermagem.
O psicanalista sabia de todos os passos e progressos naqueles dezoito dias que antecederam a cirurgia. 
Contudo algo mais efetivo o mantinha ocupado em 100 por cento do tempo em que a paciente estava acordada. Acordada. Não consciente. O tumor e o consequente edema produziram a afasia e a confusão mental e mudança comportamental.
A " Interpretação das Afasias" escrito de 1891, é talvez o primeiro escrito teórico de Freud, em todo o caso o seu escrito inaugural publicado. A Afasia é uma desordem neurológica que faz com que a capacidade de pronunciar palavras ou nomear objetos comuns se perca, em resultado de uma doença orgânica do cérebro (no caso uma metástase de melanoma). O estudo da afasia levará ao estudo do lapso, do ato falho, do chiste, do sonho, como resulta alias das referências implícitas nos respectivos ensaios sucessivos escritos por Freud. 
Freud escreve sobre os exemplos em que o resto de linguagem pode ser interpretado pela associação ao momento do trauma:
 “tais exemplos permitem a hipótese de que os restos de linguagem são as últimas palavras, as quais o aparelho de linguagem formara antes de seu adoecimento, talvez já em premonição a esse”.
 A particularidade do que Freud concebe sobre o adoecimento do aparelho de linguagem é a suposição de que tal aparelho pode pressentir, adivinhar a doença e de algum modo representá-la: nesse contexto, o aparelho de linguagem não é apenas aquele que adoece, mas também aquele que significa para si mesmo o evento da doença. 
O aparelho de linguagem, como grupo de representações associadas, forma palavras e expressões continuamente, as quais, em um momento em que a integridade cerebral – que não coincide com ele – é ameaçada, passam a representar o evento ameaçador.
Tal certeza permite a Freud supor até mesmo uma distinção entre uma palavra que está formada no momento da lesão, mas não responde propriamente a essa, e uma segunda palavra, que talvez represente o pressentimento do aparelho diante de uma situação que o ameaça (vielleicht bereits in Ahnung derselben). Compreende-se que o que está em jogo é um certo funcionamento da linguagem diante de um perigo, que por meio desse funcionamento pode formar um pressentimento, uma representação do que não coincide com ela mesma. Não se trata, portanto, de pesquisar o perigo/lesão, mas sim a função da linguagem nessa situação – e Freud descreve tal função como sendo afim a uma adivinhação.
E assim... o psicanalista entendeu que estava no lugar certo. Inserido dentro de um contexto de internação hospitalar, no tratamento do câncer e na fase pré operatória de uma cranioplastia que iria remover um tumor no cérebro. 
O neurocirurgião se referiu a ter tido algum contato acadêmico com o tema, e ficou satisfeito com a presença do psicanalista. 
Mas... como seria para a equipe de enfermagem que não tinha essas informações? Como seria o atendimento daquela paciente? 
Realmente o psicanalista percebeu que estava no lugar certo. E neste lugar, não se tinha notícia alguma de ter estado algum psicanalista.
Seriam longos os dias até a cirurgia... mas seriam produtivos. Eles (psicanalista e  paciente) estariam juntos.

Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista



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