sábado, 5 de maio de 2018

O Psicanalista No Mundo Encantado dos Orixás!

Por aqueles dias, o psicanalista não passava por seus melhores momentos. Provavelmente passava por uma das piores fases de sua já não tão curta vida, e já se considerava (desejava?) encaminhado para o começo da derradeira caminhada rumo ao cosmo desconhecido...aquele lugar que ele mesmo acreditava ser apenas o lugar do eterno dormir...
Há exatos treze meses amargava a dor de lutos e de perdas pessoais consecutivas e avassaladoras e nem mesmo sua atividade clínica (que sempre o fez ter fé) o animava.
Havia enfim, perdido a fé, a coragem e a vontade...
Tinha concluído (com láurea acadêmica) o trabalho onde colocou psicanalista no cenário do câncer e dos pacientes terminais, e achava por fim, que, chegava... Tinha combatido o bom combate. Mas perdido a fé...
Agora era esperar o beijo derradeiro daquela balzaquiana gostosona, bronzeada de sol e com marquinha de biquíni (como o próprio psicanalista havia definido a morte anos atrás) .... e torcia para que este lhe fosse breve e sem muita intensidade...
Já tinha percebido em si próprio os sintomas de uma depressão... ou talvez, um Transtorno Depressivo Recorrente, e depois de algumas tentativas sem sucesso, entregou-se. Estava entregue. Mas, com  a serenidade dos racionais, assimilou a finitude.
Que venha pois aquela que ninguém quer ver... pensou: 
- "Pelo menos, a minha virá em forma de balzaquiana gostosona, com cabelos negros, bronzeada de sol, e com marquinhas de biquíni..." 
E quase que ensaiou um riso debochado de si mesmo pensando na sua fantasia com a sua própria morte.
E segue o baile mesmo que sem música...
E então, numa manhã do abafado verão de Porto Alegre, na beira das águas do seu Guarujá, conversando com  amigo, recebe deste um convite:
-" Tchê... tu tens que ir conhecer a casa de religião que eu frequento. É bem pertinho daqui da tua casa... leva a tua irmã... tu vais gostar!"
O Psicanalista, delicadamente, mas sem nenhuma convicção, e acho até quer por mera formalidade social respondeu:
-" Tudo bem. Qualquer dia apareço..."
O psicanalista passou o resto da manhã pensando naquele convite e naquela questão.
Desde tenra idade era ateu. E tinha convicção do seu ateísmo e tinha até orgulho do seu racionalismo.
Já tinha visto muitas mortes pra entender a lógica natural da vida e da morte.
Já tinha visto muita vida pra entender que a busca humana pela eternidade, nada mais era do que um mecanismo de defesa do ego em busca de consolo para sua inexorável finitude. Por isso a humanidade buscava nas crenças, na metafísica, na metapsicologia e até na ufologia seus próprios desejos de jamais morrer.
Por força de ofício (afinal o psicanalista deve entender e saber ouvir todas as linguagens), e por curiosidade filosófica ou até por mera e simples curiosidade, desde sempre andou "passeando" pelos mais diversos ritos religiosos.
Conheceu o cristianismo e seus dogmas nas mais variadas religiões, que mesmo ante evidências de pedofilia, lavagem de dinheiro (pastores com dólares em cuecas), orgias sexuais e financeiras, enriquecimento ilícito ( podia citar vários artigos do Código Penal), autointituladas cristãs.
Procurou entender o Islamismo e mesmo em meio à Jihads, terrorismo, talibã e degolas transmitidas ao vivo pela Al Jazira, percebeu uma mensagem de amor nos ensinamentos do profeta Maomé.
Estudou a doutrina de Kardec. Gostou da decodificação do espiritismo feita pelo francês. Achou coerência na mensagem de amor de Chico Xavier. 
Freudiano até a medula, estudou o judaísmo pela obra de Freud. Não simpatizou muito com aquele deus colérico e vingativo. E se perguntava:
-" Que maldito deus é esse que manda um pai sacrificar seu próprio filho em holocausto, apenas pra testar a fé???"
Conviveu com as religiões afro e seus cultos. Achava lindo o ritual. A vó materna, batuqueira umbandista levava o menino que um dia habitou em mim nas matas, praias, cachoeiras e rios, e aquele movimento todo fascinava a criança ( certamente hiperativa) pelas cores, cantos e mistérios.
Respeitava todas as religiões. 
Mas não se emocionou ao pé da cruz do Cristo morto. 
Não se emocionou na mesquita e nem ouvindo os cânticos voltados pra Meca.
Também não se emocionou quando visitou a casa de Chico Xavier em Uberaba e comparou o livro e o filme Nosso Lar, com a obra utópica de Aldous Huxley ( Admirável Mundo Novo).
Não pediu nada nem se emocionou ante o dito sagrado Muro das Lamentações.
Dançou, bebeu e comeu e ficou muito feliz no terreiro da Mãe Menininha do Gantois em Salvador (a Roma Negra como Caetano citou). Vibrou ao som dos atabaques africanos. Mas também não se emocionou.
Continuava ateu. E afirmava isso numa pedância intelectual tão obtusa e cartesiana que faria o próprio rei da pedância intelectual Jaques Lacan (sim...lacaniano. Freudiano/lacaniano) corar de vergonha.
Em diálogos com a mãe morta recentemente, se superava :
Dizia a amada mãe quase que pedindo:
-" Meu filho, tu tens que acreditar em algo.... o próprio Shakespeare que tu gostas já escreveu que "entre o céu e a terra existem mais coisas do que pode imaginar tua vã filosofia". "
E ainda a mãe saudosa perguntava:
-" Tu não acreditas no Grande Arquiteto do Universo?" ( Fazendo uma alusão ao principal dogma da Maçonaria).
Ele sempre respondia com um riso incontido:
-" Acredito Norma (como chamava a mãe). Esse projetou Brasília. E projetou o nosso lindo museu Iberê Camargo às margens do nosso Guaíba. O grande arquiteto do Universo. Oscar Niemeyer!!" 
Enfim.... o psicanalista passou o resto daquela manhã de verão pensando nessas coisas todas.
Mas aquilo não ia parar por ai... 
O convite do amigo não lhe saia da cabeça.
Algo aconteceria naquele dia.... 

Fraterno Abraço
André Lacerda - Psicanalista

P.S.: Inicio assim, o Projeto  " O PSICANALISTA NO MUNDO ENCANTADO DOS ORIXÁS" que vai virar livro. E desde já informo que toda e qualquer renda obtida em torno desse projeto, será destinada à comunidade necessitada da Zona Sul de Porto Alegre.
       
    







  


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