O psicanalista estava seco.
Não haviam mais lágrimas. Elas se esgotaram...
Inerte, estava empurrando seus dias sem apetite (qualquer apetite), numa forma nebulosa feita de sombra. Somente de sombra, e sem luz como disse o poeta.
Seus últimos 18 anos haviam sido voltado quase que exclusivamente pra clinica psicanalítica e acreditava ter ajudado muita gente e os resultados eram significativamente positivos.
Os últimos 3 anos, exclusivamente voltados para os pacientes oncológicos e terminais. E achava que esteve nos lugares certos. Esteve em lugares que acreditava, ser os lugares onde o psicanalista deveria estar.
Isso era bom...mas....
Buscava em Freud, Lacan e mesmo na depressiva Melanie Klein, algum conforto psíquico. Mas nada surtia efeito amenizador em sua alma que mesmo serena, estava destroçada.
O último ano tinha sido devastador.
Fazia um ano, de forma precoce, sofrida e absurdamente cruel, tinha perdido seu primeiro amor numa batalha cruel e incombatível de 25 dias contra um câncer fatal.
No dia que ela foi cremada plantou uma roseira.
Ainda não aceitava aquela perda. Mas a roseira cresceu e floriu....
Fazia um mês, tinha perdido seu maior e eterno amor. A mãe amada, sem avisar, e de forma não menos sofrida, já estava cantando tangos e encantando espíritos em outro plano.
No dia que foi enterrada, sentiu-se enterrado nas sombras das ausências.
E por aqueles dias, perdera seu segundo amor. Mas com o coração sereno, agradecia pelo fato dela estar viva e bem, e torcia pra que ela fosse feliz e sempre estivesse segura.
Sabia que a vida era uma caminhada onde os seres viventes viviam entre Eros (vida) e Tânatos (morte).
Mas nele, Tânatos reinava...
E na verdade, já trazia no bolso da camisa Prada (sempre branca), as duas moedas para entregar à Caronte, o barqueiro de Hades que o levaria a navegar pelos rios Estige e Aqueronte, e assim transporia as águas que separam o mundo dos vivos para o mundo dos mortos.
E foi assim, que naquela noite, sem nem saber porque, caminhou rumo aquela casa religiosa.
Já tinha tido contato com os ritos afro-brasileiros, e achava legal o ritual. Pensou que seria uma noite divertida. Assim como seria divertido um bom filme na TV ou ainda um documentário do discovery civilization.
Ao chegar, portas abertas, foi entrando encabuladamente...
Alguém lhe observou e ele notou.
Foi se apresentar. Não precisou.
Homem educado e receptivo, com fidalguia e cavalheirismo o recepcionou:
"- Entre, sinta-se em paz. A casa é tua e seja bem vindo!"
O psicanalista admirou-se. Comentou com seus botões:
" Sequer precisei me apresentar..."
Procurou e achou um lugar discreto e acomodou-se e passou a observar o ambiente.
Olhou as imagens e os movimentos iniciais e estava aguardando iniciar os rituais quando algo inusitado aconteceu.
As pessoas iam chegando e todos, ao chegar buscavam uns aos outros e trocavam um beijo na mão e um beijo na face.
O psicanalista viu e sua observação cartesiana concluiu:
Aquele gesto não era um ritual. Aquele gesto era um gesto de amor. Amor fraternal.
E na sequência, alguém que nunca tinha visto, dirigiu-se à ele. E sem mais nem menos, repetiu com ele o gesto.
Alguém que ele, nem mesmo hoje sabe quem é, lhe beijou a mão e a face.
E veio mas alguém, e outro alguém, e não era só com ele, pois à todos que estavam ali, era distribuído assim, naturalmente, o carinho e o afeto através de um gesto de puro amor fraternal.
Ficou sem palavras. E meio que sem chão. E meio que sem graça. E meio que sem sua ambidestra lógica racional.
Os participantes se uniram em um grande círculo e de mãos dadas, e palavras acolhedoras foram proferidas indicando que iniciaria o trabalho. E então veio uma prece. E outra prece. E pra espanto do psicanalista, eram preces cristãs. O mesmo Pai Nosso e a mesma Ave Maria que eram rezadas na catedral metropolitana. Só então, os tambores africanos começaram tocar.
O psicanalista estava numa sessão de Umbanda. E estava prestes a testemunhar uma sessão de entidades conhecidas como EXUS.
Entusiasmou-se.
Admirou-se vendo os médiuns incorporarem suas entidades. Havia uma disciplina espartana naquilo tudo. E não identificou a teatralização que já havia visto em outras casas e mesmo em outras crenças e religiões. Estava tudo sendo sereno e equilibrado.
Foi quando algo aconteceu, que marcaria indelevelmente a alma sequiosa do psicanalista ateu.
Foi ai, que o psicanalista que tinha já percebido o amor fraterno daquele povo, deu o primeiro passo para entrar no Mundo Encantado dos Orixás.
Fraterno Abraço
André Lacerda - Psicanalista
P.S.: Esse projeto, além de publicado semanalmente aqui no blog, também estará disponível na página REFLEXÕES DA PSICANÁLISE do Facebook, a qual sou um dos 3 psicanalistas que publica, e no meu próprio perfil pessoal que é público.
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