Na psicanálise, o bullying é compreendido como um fenômeno que revela dinâmicas inconscientes tanto de quem agride quanto de quem sofre a agressão. Ele é visto como uma repetição de conflitos internos, muitas vezes ligados a sentimentos de angústia, inveja, ódio ou insegurança.
De modo geral:
Para o agressor, o bullying pode ser uma tentativa inconsciente de lidar com sentimentos internos intoleráveis — como fragilidade, medo de exclusão ou inferioridade. Ao atacar o outro, o agressor "projeta" no colega aspectos de si mesmo que ele não aceita. Ou seja, ataca no outro o que não suporta em si.
Para a vítima, a psicanálise considera que o sofrimento causado pelo bullying pode reativar traumas anteriores ou feridas narcísicas (atingindo a autoestima e o sentimento de identidade). Em alguns casos, a vítima pode também, inconscientemente, ocupar uma posição de passividade ou de “bode expiatório” em grupos, repetindo padrões de exclusão que já tenha vivido antes.
No nível coletivo (grupal), o bullying também pode ser interpretado como um mecanismo de defesa do grupo para manter uma coesão interna: ao eleger um alvo, o grupo “projeta” suas tensões e ansiedades em um indivíduo, tentando expulsar o que é vivido como "estranho" ou ameaçador.
Autores como Freud (noções de agressividade e pulsão de morte), Melanie Klein (inveja e identificação projetiva) e Winnicott (relacionamentos e amadurecimento emocional) ajudam a pensar o bullying a partir de conceitos como pulsões, defesas primitivas e relações objetais.
Para Freud, o bullying pode ser entendido principalmente a partir da ideia de que a agressividade é uma parte constitutiva do ser humano. Ela não é algo que vem apenas do meio ou da educação, mas algo interno, ligado às pulsões.
Alguns conceitos importantes para entender isso:
Pulsão de morte (Thanatos): Freud, no final da sua obra (principalmente em Além do Princípio do Prazer, 1920), propôs que existe no ser humano uma pulsão voltada para a destruição — tanto do outro quanto de si mesmo. A agressividade do bullying seria uma manifestação externa dessa pulsão de morte, uma maneira de descarregar essa força destrutiva.
Narcisismo e agressividade: Em Introdução ao Narcisismo (1914), Freud mostra como o narcisismo é frágil e precisa ser defendido. O bullying poderia ser visto como um ataque narcisista — o agressor sente que sua autoestima está ameaçada e, para se proteger, diminui o outro.
Mal-estar na civilização (O Mal-Estar na Civilização, 1930): Freud diz que a vida em sociedade exige a repressão das pulsões agressivas, mas essa repressão nunca é completa. O bullying seria, então, uma espécie de “vazamento” dessa agressividade reprimida, dirigida contra um alvo mais fraco.
Para Freud, o bullying é a expressão de impulsos destrutivos internos (pulsão de morte), agravados pela necessidade de proteger o próprio ego (narcisismo) e pelas tensões entre as exigências da sociedade e os desejos instintivos do indivíduo.
O olhar do Winnicott sobre o bullying é bem diferente de Freud e Klein, porque ele coloca o foco na relação com o ambiente — ou seja, o bullying não surge só das pulsões internas ou das fantasias, mas da forma como o indivíduo foi cuidado (ou não foi cuidado) nos primeiros anos de vida.
Algumas ideias centrais para entender:
Falso self: Winnicott fala que, quando o ambiente (os pais, cuidadores) não é suficientemente bom — ou seja, não responde de forma adequada às necessidades emocionais do bebê — a criança pode construir um falso self. O agressor no bullying pode ser alguém que vive muito "protegido" atrás de um falso self: ele ataca o outro porque não consegue entrar em contato com suas emoções verdadeiras.
Ambiente falho e agressividade: Se, no começo da vida, o ambiente não foi capaz de lidar com a agressividade natural do bebê de forma acolhedora, essa agressividade pode ficar desorganizada. O bullying, então, seria uma forma patológica de expressar uma agressividade que não foi integrada de forma saudável.
Capacidade de concernimento: Winnicott diz que, para amadurecer emocionalmente, a pessoa precisa desenvolver uma preocupação genuína com o outro (concernimento). O agressor de bullying ainda não desenvolveu isso — ele não consegue perceber o outro como alguém real, que sofre. É como se o outro fosse apenas um objeto a ser usado para descarregar sentimentos ruins.
Violência como busca de limites: Às vezes, o ato agressivo é, inconscientemente, uma tentativa de encontrar um ambiente que imponha limites claros e confiáveis. Em outras palavras, o bullying seria uma maneira distorcida de pedir ajuda ou de testar se existe alguém que o contenha.
Winnicott entenderia o bullying como o resultado de uma falha no ambiente inicial. O agressor é alguém que não conseguiu desenvolver um self verdadeiro, que tem dificuldade para se relacionar de forma autêntica e para reconhecer o sofrimento dos outros.
Mesmo sendo 100% freudiano/lacaniano, pessoalmente e pela experiência clínica pessoal, estou inclinado pela teoria de Winnicott, observando que em se tratando de dramas psíquicos, os entendimentos multidisciplinares são sempre a melhor opção.
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista
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