quinta-feira, 8 de maio de 2014

Eu acredito em anjos!

Era uma jovem paciente... bonita... vinte e muito poucos anos... e fazia algum tempo que se analisava com disciplina e frequência espartanas.
Por aqueles dias o Psicanalista estava atento às novas atividades que a moça estava desenvolvendo. Estava escrevendo poesias....elaborando melodias novas no piano... buscando antigas manifestações musicais e literárias (coisa que ela não conhecia)... e estava mais serena e calma do que nunca.
O Psicanalista pensou:
- Na próxima sessão, vou abordar os mecanismos de defesa do ego....
E buscou nos alfarrábios...e achou em Freud ( O Ego e o Id- 1923)... e achou em Anna Freud (O Ego e os Mecanismos de Defesa- 1946) ... e preparou a introdução para a sessão seguinte da moça. 
O sol brilhava naquela manhã de inverno e ela chegou pontualmente como sempre e sua jovialidade fez o sol parecer uma mera velinha moribunda...
Ocupou o divã ao mesmo tempo em que declarava com entusiasmo juvenil:
- Estou amando as músicas do ABBA! É do teu tempo né??? 
- Sim... mas te proponho uma questão: Noto que tens sublimado  extraordinariamente nos últimos dias... Já ouviste falar dos mecanismos de defesa do ego? 
- Não... mas tenho certeza de que tu vai me falar né??? Sou toda ouvidos....
O Psicanalista evocou todos os seus demônios cartesianos e lascou:

"Mecanismos de defesa são processos psíquicos inconscientes que aliviam o ego do estado de tensão psíquica entre o id intrusivo, o superego ameaçador e as fortes pressões que emanam da realidade externa.
Devido a esse jogo de forças presente na mente, em que as mesmas se opõem e lutam entre si, surge a ansiedade cuja função é a de assinalar um perigo interno. Esses mecanismos entram em ação para possibilitar que o ego estabeleça soluções de compromisso (para problemas que é incapaz de resolver), ao permitir que alguns componentes dos conteúdos mentais indesejáveis cheguem à consciência de forma disfarçada."

O Psicanalista percebeu que na medida que ia falando a jovem paciente cantarolava bem baixinho a música do ABBA:

" I have a dream (eu tenho um sonho)
a song to sing (uma canção para cantar)
To help me cope (Que me ajuda a enfrentar)
With anything (qualquer coisa)...."

Com a frieza de uma nádega de esquimó pescando sentado, o Psicanalista prosseguiu:

"Anna Freud em "O Ego e os Mecanismos de Defesa" (1946), formula a hipótese de que o maior temor do ego é o retorno ao estado de fusão inicial com o id, caso a repressão falhe ou os impulsos sejam intensos demais. Para manter o grau de organização atingido, o ego procura proteger-se da invasão das demandas instintivas/pulsionais, provenientes do id, e do retorno dos conteúdos reprimidos.
Assim, em "O Ego e o Id" (1923), Freud diz que a psicanálise é o instrumento que permite ao ego uma conquista progressiva do id.
A psicanálise visa uma transformação paulatina de maiores porções do id em recursos do ego, em seu propósito de tornar consciente o que é inconsciente. Assim, a mente poderá vir a encontrar soluções, previamente inacessíveis ao ego imaturo."

E o Psicanalista falava tudo isso tendo como fundo musical a voz suave e baixinha da moça cantando:

" If you see de wonder (se você vê maravilhas)
of a fairy tail (em um conto de fadas)
You can take de future (você pode agarrar o futuro)
even if you fail (mesmo se você falhar)
I believe in angels ( eu acredito em anjos)..."

E o Psicanalista (com um sorriso sincero  nos olhos) prossegui:

Os principais mecanismos de defesa são os seguintes:
1. Repressão - retirada de ideias, afetos ou desejos perturbadores da consciência, pressionando-os para o inconsciente.
2. Formação reativa - fixação de uma ideia, afeto ou desejo na consciência , opostos ao impulso inconsciente temido.
3. Projeção - sentimentos próprios indesejáveis são atribuídos a outras pessoas.
4. Regressão - retorno às formas de gratificação de fases anteriores, devido aos conflitos que surgem em estágios posteriores do desenvolvimento.
5. Racionalização - substituição do verdadeiro, porém assustador, motivo do comportamento por uma explicação razoável e segura.
6. Negação - recusa consciente para perceber fatos perturbadores. Retira do indivíduo não só a percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas.
7. Deslocamento - redirecionamento de um impulso para um alvo substituto.
8. Anulação - através de uma ação, busca-se o cancelamento da experiência prévia e desagradável.
9. Introjeção - estreitamente relacionada com a identificação, visa resolver alguma dificuldade emocional do indivíduo, ao tomar para a própria personalidade certas características de outras pessoas.
10. Sublimação - parte da energia investida nos impulsos sexuais é direcionada à consecução de realizações socialmente aceitáveis (p.ex. artísticas ou científicas)."

E a moça ainda cantarolava:

"I have a dream (eu tenho um sonho)
a fantasy (uma fantasia)
to help me trought reality (que me ajuda a atravessar a realidade)
and my destination ( e o meu destino)
makes it worth the while (faz valer a pena)
pushing through the darkness (enquanto me empurra através da escuridão)
I believe in angels ( eu acredito em anjos)"

Notando que o Psicanalista havia parado de falar interrompeu a canção e sentenciou:

- Estou sofrendo demais nos últimos dias (e foram perdas terríveis e dramáticas que não importam agora) e a poesia, a música e até a leitura tem me ajudado muito. E essa musiquinha do ABBA tem feito milagres nos meus piores momentos. Ah... adorei tua aula sobre os mecanismos de defesa do ego. Beijo André!!!! Até segunda!!!
E foi embora levando o sol com ela...
Ainda hoje o Psicanalista, em momentos de angústia, se pega cantarolando:
"I belivie in angels....." 

Acessem o link abaixo e escutem a musiquinha... rs

Fraterno Abraço
André






       

sábado, 3 de maio de 2014

Obrigado Querida! Uma das origens da violência.

Não tenho certeza, mas acho que era um sábado chuvoso de temperatura amena apesar do calor infernal daqueles últimos dias.
Ele pagou suas compras e enquanto reconduzia o cartão de crédito ao lugar de origem na carteira de couro, dirige-se à moça do caixa no Super Mercado:
- Obrigado Querida!
Ele só então notou que amoça era muito branca e de olhos claros. Mas notou também que a moça branca estava ficando vermelha e seus olhos começaram a faiscar e faiscando lhe fuzilavam. E a moça vermelha e beligerante o trucidou:
- Quem tu tá pensando que és vagabundo??? Achas que eu estou aqui brincando? Tá me confundindo com as tuas negas (sic) ??? Vai chamar de querida a tua mãe que aliás deve estar trabalhando na zona!!!! Chinelão!!!!
Ele paralisou segurando uma sacola de Super Mercado...
O queixo caído e a boca aberta fez com que a cara do incauto parecesse um pastel de fim de feira...
Nem notou que todos os clientes do mercado estavam também de queixo caído e boca aberta empastelados com a reação da moça branca/vermelha e beligerante.
Tentou lembrar em algum ato falho que deva ter proferido. Nada... 
Tentou lembrar se deixou escapar um palavrão na hora de pagar a conta. Nada...
Olhou para os pés. Quem sabe pisou no pé da moça sem notar! Nada...
Olhou para o zíper das próprias calças. Quem sabe está desgraçadamente aberto. Não estava...
Resolveu se manifestar:
- Mas moça...
Ela interrompeu com munição de calibre maior:
- E não tem nada de mas moça. Vai chamar de querida a puta que te pariu! E vai andando que tem gente na fila. 
Ele não deu ouvidos às manifestações dos demais clientes e nem do gerente do Super Mercado. Saiu catatônico empurrando um carrinho cheio de sacolas e com cérebro frito.
E o gerente falava:
- O senhor nos desculpe... tomaremos providências... ela deve ter surtado... e blá...blá... blá... 
Ele não ouviu. 
Como um autômato arrumou as sacolas na mala do carro. E entrou no carro. E manobrou. E foi até em casa. Então paralisou dentro do carro já dentro da garagem. E começou a pensar falando sozinho e olhando no espelho do carro para si mesmo:
- Mas eu chamei ela de querida mecanicamente.... como faço com todo mundo... porque ela se ofendeu tanto? Eu devo ter feito ou dito alguma coisa muito ofensiva... não acredito que ela se ofendeu por causa do querida... Ou quem sabe a moça branca foi estuprada e o estuprador ao invés de violentá-la chamando-a de vagabunda, cadela, etc,  a maculava chamando-a de querida?!?! Ou quem sabe ela ouviu por acaso o próprio marido chamando a vizinha gostosa de querida numa cena sensual?! Pior... Quem sabe o marido morreu vendo ela mesma em cena sensual com o vizinho sarado que à chamava de querida?!?!? 
A paralisia começou a ceder e ele começou a reagir...
Enquanto carregava as compras do idílio ainda teve espírito e pensou:
- Felizmente não tenho o hábito de muitos que dizem: "Obrigado Fofinha!"

Fraterno abraço
André