Nesta semana, comemoramos o aniversário de Porto Alegre. Com saudade, passei a semana escutando Kleiton e Kledir e Isabella Fogaça...
Dia 26 de março, além do aniversário da capital dos gaúchos, é pessoalmente uma data de absoluta importância para mim, e como é pessoal, as explicações ficam para a próxima vez...
Reproduzo hoje, uma coluna que escrevi em 2008, e que foi publicada como um projeto piloto que eu mesmo abortei por amar demais a cidade. Me senti incapaz de fazer uma análise cotidiana, pois neurótica e provincianamente, acredito que Porto Alegre é o melhor de todos os lugares...
Enfim...
" A saudade é demais... é lá que eu vivo em paz!"
________________________________________________________________________________
Quando te vi ali, na entrada do consultório, sentadinha, cabeça baixa e olhos fixados no jornal de ontem, tremi ao pensar no que podias querer.
Tenho estado contigo nos últimos 40 anos, e jamais me passou pela cabeça que precisasses de meus ouvidos de psicanalista lacaniano.
Um rastro de luz me transportou num "flashback" delirante para o início de nosso amor, onde eu, ainda no colo do avô, velho portoalegrense, criei aquela que seria a primeira lembrança que levarei até o último pensamento consciente.
Era um final de tarde qualquer perdido num inverno dos meados da década de 60. Lembro com nitidez branquíssima, das luzes amarelas da Borges, por onde passava o nosso transporte - talvez um dos últimos bondes elétricos.
Lembro do gosto do diamante negro e da mancha que ele produziu na camisa volta ao mundo branca de meu avô.
Passei a te amar naquele dia, e acho que ali decidi que serias minha, uma vez que tu ali me encantaste.
Na infância, pouco te vi. Mas te amando ao longe, sabia meu inconsciente, que viveríamos juntos, meus sonhos, meus pesadelos e um pouco da tua e tudo da minha futura história.
Adolescente, te fiz minha enfim, e acho que sequer percebeste que eu te invadia com todo meu desejo recalcado e juvenil...
Me sinto ainda percorrendo teu centro, como se teu útero fosse. Eu entre milhões buscando o caminho de tua fecundação? ( Ainda hoje caminhando na Andradas gosto de fantasiar com isso...)
Naquele tempo, tudo me era esperança e fé. Lembro de me benzer ao passar na catedral da praça da matriz, pedindo bênçãos antes de chegar no Água na Boca da praça Conde.
E tinha a feirinha da Ladeira, com os hippies que faziam bolsas, cintos e chinelos que deixavam expostos nas vitrines de concreto, e pintavam à mão camisetas com o rosto do Che que deixavam ocultas dentro de sacolas, que naquele tempo, mesmo que moribunda, a “Dita” ainda era dura...
Nos 80, deu pra ti (no bom sentido!)... Lembro da fila do táxi na frente da OSPA, saindo da Papagayus, indo pra velha New Looking e seus ambientes.. ali... passando a Ipiranga.
E tinha teu cotidiano arrabalero, que mesmo sendo metropolitano vestia-se de interior nos domingos do Cristal, do Partenon, da Zona Norte, onde nos churrascos de passeio público, riam Maria que trabalhava na loja do centro, o Carlos mecânico da Azenha, o Paulinho do SulBrasileiro, etc, todos esperançosos mas com saudades de suas cidades de origem.
Mas.... espera ai! Isso tudo é até que bem recente! Não vejo razão pra demandas melancólicas.
Ainda temos o pôr do Sol (e o gasômetro está mais bonito!), temos os domingos da redenção, ainda temos GRENAL, e temos.... Ah! Um monte de coisas TRI ainda...
Ta certo... tens razão! Tem uma neurose te afetando.
Há poucos dias, vi meu filho, somando-se a muitos de teus filhos, naquele mesmo centro que eu fantasiei de útero materno, sangrado por uma faca impulsionada pela miséria e pelo crak por não querer voltar pra casa sem os Nike e o telefone (mas não exagera!! o atendimento no HPS foi rápido e o guri ficou bem).
Tens razão.... novamente! Minha mulher, como todas as tuas filhas, não pode mais olhar as vitrines da Rua da Praia tranqüila ( é... mas tens o Praia de Belas, Iguatemi, e os outros, e logo logo também o Barra Shoping ali do Cristal, acho que estás exagerando e se queixando de barriga cheia...).
Era só o que faltava! Estás te queixando porque o arrabalde mudou????É claro... isso é fruto de teu crescimento, é uma tendência mundial desde a revolução industrial. Ah??? Não é isso???
Mais uma vez tens razão...
As Marias, Carlos, e todos os outros não habitam mais os domingos festivos e milongueiros... O arrabalde é território... território da boca, do patrão, do gerente da boca, do aviãozinho, do mula, do tecasso e do menino morto esperando o DML e com sorte, uma lágrima da mãe.
Tentei evitar te aceitar como paciente. Acho que meu amor por ti desencadeou um impedimento inconsciente de te analisar...
Mas me entrego!
Vem cá ...ocupa meu divã freudiano. Me fala de tuas dores, de tuas faltas, de teus sonhos. Fica bem à vontade Porto Alegre! Vamos conversar um pouquinho????
09 de setembro 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário