Pois já lá se vão mais de 25 anos que tenho me dedicado quase que exclusivamente à atividades psicanalíticas e cada vez concordo mais e mais com o Freud, de que por mais que o método evolua e compreenda as subjetividades humanas, isso tudo um dia será "engolido" por novas tecnologias e "truques" de alguma magia que ainda não entendemos. Ou pelo menos nós, os jurássicos do livro de papel teremos dificuldade de entender... sei lá...
Quando iniciei minha atividade clínica, a "gravíssima" (sim...é ironia minha) Psicose Maníaco Depressiva estava sendo rebatizada. Passava a se chamar de Transtorno Bilopolar do Humor, ou simplesmente Bipolaridade.
E virou moda...o Transtorno Bipolar era muito popular e com certeza era mais citado do que a gripe... e todo mundo ( mais uma ironia minha) era bipolar...
E tome carbonato de lítio....
Depois veio o borderline, e antes que eu fique sintomático, vou parar por aqui.
Agora tem a febre do Autismo. Não que qualquer coisa que se fale seja mais ou menos importante ou não precise de atenção. Mas...
Ainda acho que pra tudo, precisamos mesmo é conversar e cada vez mais a multidisciplinaridade pode ser uma daquelas "mágicas " que ainda será o diferencial.
Dito isso, vamos conversando e espero que alguma coisa possa somar positivamente na caminhada de cada um dos meus amigos...
E por falar em Autismo, compartilho trabalho feito quando ninguém falava sobre o tema.
O autismo sob a ótica psicanalítica é compreendido de maneira diferente da visão médica tradicional. Enquanto a medicina costuma focar em causas neurobiológicas e sintomas comportamentais, a psicanálise, especialmente a partir de autores como Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e Jacques Lacan, olha o autismo como uma maneira particular de estar no mundo, com questões ligadas à constituição do sujeito, ao laço social e à relação com o outro.
Aqui estão alguns pontos principais:
Falta de constituição simbólica: Para muitos psicanalistas, o autismo é pensado como uma dificuldade ou falha no processo de inserção do sujeito na linguagem (no simbólico). Lacan, por exemplo, falava da importância do "nome-do-pai" para estruturar o psiquismo, e no autismo haveria uma falha nesse processo.
Relação com o Outro: O autista, nesse olhar, tem uma relação particular com o Outro (com os outros seres humanos e com a linguagem). Muitas vezes se protege do excesso de invasão do Outro, criando barreiras ou rituais para se manter seguro.
Corpo e Real: Há também uma discussão sobre como o autista lida com o corpo e as sensações. Para alguns psicanalistas, o corpo pode não estar bem "amarrado" ao simbólico, levando a experiências corporais muito intensas ou desconectadas.
Tratamento:
A abordagem psicanalítica não visa "normalizar" o sujeito, mas sim oferecer um espaço para que ele possa construir, ao seu modo, formas de laço e de expressão. O terapeuta respeita profundamente as invenções singulares do autista.
Em resumo, o autismo na psicanálise não é visto como uma doença a ser curada, mas como uma estrutura psíquica específica, que merece ser acolhida e entendida no seu modo único de existir.
Para Jacques Lacan, o autismo não é exatamente classificado como uma psicose ou uma neurose (que são as duas grandes estruturas clínicas que ele descreve). Muitos leitores de Lacan consideram o autismo como uma estrutura própria, ou então o pensam como uma forma radical de psicose, mas isso ainda é objeto de debate entre os lacanianos.
Alguns pontos centrais da visão de Lacan (e de psicanalistas lacanianos posteriores) sobre o autismo:
1. Rejeição do Outro e da linguagem
Lacan vê o autismo como uma recusa radical do Outro, especialmente do Outro que traz a linguagem. Desde muito cedo, o sujeito autista se fecharia em relação às tentativas de contato simbólico feitas pelo Outro (mãe, pai, ambiente). Essa recusa impede a constituição de um eu pelo espelho e dificulta o acesso ao simbólico.
2. Falta do Nome-do-Pai
No esquema de Lacan, o Nome-do-Pai é um operador simbólico fundamental: é o que introduz a lei, a falta, e organiza a entrada do sujeito na linguagem e no desejo. No autismo, essa função paterna estaria rejeitada ou não operante. Sem essa referência simbólica, o sujeito fica isolado no registro do real (o que é cru, sem sentido) ou apenas se prende a pequenos pedaços de linguagem (por exemplo, ecolalias, repetições de frases).
3. Forclusão do Significante
A forclusão é o mecanismo central da psicose para Lacan: um significante essencial (o Nome-do-Pai) é excluído do inconsciente. Muitos lacanianos veem o autismo como uma forma radical de forclusão, ainda mais primitiva do que na psicose esquizofrênica.
4. Invenções singulares
Apesar disso, Lacan (e ainda mais autores pós-lacanianos como Éric Laurent e Jean-Claude Maleval) destacam que o autista cria invenções para se defender e construir laços. Essas invenções podem ser objetos, gestos repetitivos, interesses muito específicos — formas de dar alguma consistência ao mundo e ao corpo.
Basicamente, autismo para Lacan é marcado por uma recusa fundamental do Outro e da linguagem. O sujeito autista rejeita o simbólico e inventa suas próprias formas de lidar com o real. A clínica lacaniana com o autismo busca acolher essas invenções, respeitar o modo de ser do sujeito e não impor um modelo normativo de socialização.
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista