Neste texto, me valho dos ensinamentos dos professores Sérgio
Lasta e Eustásio de Oliveira Ferraz, a quem agradeço pela bela contribuição.
Narciso era um belo rapaz indiferente ao amor, filho do deus do
rio Céfiso e da ninfa Liríope. Por ocasião de seu nascimento os pais
perguntaram ao adivinho Tirésias qual seria o destino do menino, pois ficaram
muito assustados com a sua beleza rara e jamais vista. A resposta foi que ele
teria vida longa se não visse a própria face. Muitas moças e ninfas
apaixonaram-se por Narciso quando ele chegou à fase adulta, mas o belo jovem
não se interessou por nenhuma delas.
A ninfa Eco, uma das apaixonadas, não se
conformando com a indiferença de Narciso, afastou-se amargurada para um lugar
deserto onde definhou até a morte e restaram somente seus gemidos. As moças
desprezadas pediram aos deuses que a vingasse. Nêmesis apiedou-se delas e
induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a se debruçar na
fonte de Téspias para beber água. Nessa posição ele viu seu rosto refletido na
água e se apaixonou pela própria imagem. Descuidando-se de tudo o mais, ele
permaneceu imóvel na contemplação ininterrupta de sua face refletida e assim
morreu. No local de sua morte apareceu uma flor que recebeu seu nome, dotada
também de uma beleza singular, porém narcótica e estéril.
Narciso é um personagem enigmático e fascinante que
traz em si um grande dilema: ver-se ou viver; ver-se e não viver ou não se ver
e viver. Não podia conhecer-se, caso contrário não veria a velhice ou a vida
eterna, como previra o oráculo. Por isso, era admirado por si mesmo,
imobilizado e aprisionado em seu próprio mundo. Não podia se ver para continuar
vivendo. Amava e não podia amar, amado, não podia deixar-se amar. Era solitário
vagando pela floresta.
Seu desejo é devorar-se a si
mesmo. Tem a beleza desejada, idealizada, que todos querem possuir. Às vezes
isso provoca a ruína, o que significa ver somente o ideal de si, um rosto
bonito e não uma pessoa em sua inteireza. É uma imagem com muitos rostos onde o
próprio EU não entra e esses rostos se confundem. Há o desejo de se tornar
sedutor(a), de despertar desejos. E o sedutor(a) adquire uma imagem que não é
sua, tem outra identidade, pois seu ego é frágil, nada sedutor.
Esse mito, ou lenda simboliza
a imobilidade, a solidão e a infelicidade, porque Narciso não conseguiu vencer
a sedução da própria imagem. Se isso acontecesse, teria que assumir
responsabilidades sociais, enfrentar desafios, a realidade, as desilusões. Não
há risco zero na vida. Exemplos? Basta prestar atenção na vida dos animais. Se
ficar na toca certamente morrerá de fome e sede. É preciso enfrentar a
realidade, mesmo sob o perigo de perder a vida. É também a busca da eterna
beleza. Morrendo jovem e belo, seria lembrado assim, com sua juventude
perpetuada. É a busca do aplauso, do reconhecimento. Esse ideal do belo provoca
desejos irrealizados, prazer em seduzir e despertar desejos. Porém não permite
que sejam satisfeitos. Isso leva à melancolia, o mundo perde o valor, a
consciência aflige-se com fragilidade.
A fonte é o espelho que atrai
e arruína. A imagem refletida não é o que aparenta. Mostra o que é e o que não
é. Estimula na alma o desejo por uma imagem inatingível. Narciso achou que era
a própria imagem, não se individualizou, não separou realidade e fantasia.
Logicamente o mito presta-se
para muitas outras interpretações. Porém Narciso perambula pela sociedade e
está na personalidade de todos.
O mito de Narciso sempre quer
falar algo do ser humano. De uma forma ou de outra sempre trazemos um Narciso
dentro de nós. Narciso diz que cada ser humano tem que descobrir que ele é, e
qual o caminho que o conduz à felicidade.
Fraterno abraço
André
Nenhum comentário:
Postar um comentário