terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Conhecendo os Mitos - NARCISO


 Neste texto, me valho dos ensinamentos dos professores Sérgio Lasta e Eustásio de Oliveira Ferraz, a quem agradeço pela bela contribuição.

  Narciso era um belo rapaz indiferente ao amor, filho do deus do rio Céfiso e da ninfa Liríope. Por ocasião de seu nascimento os pais perguntaram ao adivinho Tirésias qual seria o destino do menino, pois ficaram muito assustados com a sua beleza rara e jamais vista. A resposta foi que ele teria vida longa se não visse a própria face. Muitas moças e ninfas apaixonaram-se por Narciso quando ele chegou à fase adulta, mas o belo jovem não se interessou por nenhuma delas.

 A ninfa Eco, uma das apaixonadas, não se conformando com a indiferença de Narciso, afastou-se amargurada para um lugar deserto onde definhou até a morte e restaram somente seus gemidos. As moças desprezadas pediram aos deuses que a vingasse. Nêmesis apiedou-se delas e induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a se debruçar na fonte de Téspias para beber água. Nessa posição ele viu seu rosto refletido na água e se apaixonou pela própria imagem. Descuidando-se de tudo o mais, ele permaneceu imóvel na contemplação ininterrupta de sua face refletida e assim morreu. No local de sua morte apareceu uma flor que recebeu seu nome, dotada também de uma beleza singular, porém narcótica e estéril.

   Narciso é um personagem enigmático e fascinante que traz em si um grande dilema: ver-se ou viver; ver-se e não viver ou não se ver e viver. Não podia conhecer-se, caso contrário não veria a velhice ou a vida eterna, como previra o oráculo. Por isso, era admirado por si mesmo, imobilizado e aprisionado em seu próprio mundo. Não podia se ver para continuar vivendo. Amava e não podia amar, amado, não podia deixar-se amar. Era solitário vagando pela floresta.

  O belo Narciso é independente, porém vive na solidão; evita qualquer aproximação, não respeita a sociabilidade. É imerso em si, anula a alteridade (o outro). Tem tudo, basta-se a si mesmo. É prisioneiro de sua própria aparência que lhe é irresistível e isso o faz sofrer. Sofre porque não consegue ter aquela imagem para si. Está tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. Representa o eterno dilema da auto-sedução que não se realiza. Tem e ao mesmo tempo não a tem, porque essa é intocável, pode ser somente contemplada. É um amor platônico por si mesmo. Tocar a fonte de Téspias seria deformar aquela imagem tão bela e perfeita.


         Seu desejo é devorar-se a si mesmo. Tem a beleza desejada, idealizada, que todos querem possuir. Às vezes isso provoca a ruína, o que significa ver somente o ideal de si, um rosto bonito e não uma pessoa em sua inteireza. É uma imagem com muitos rostos onde o próprio EU não entra e esses rostos se confundem. Há o desejo de se tornar sedutor(a), de despertar desejos. E o sedutor(a) adquire uma imagem que não é sua, tem outra identidade, pois seu ego é frágil, nada sedutor.


         Ao contemplar-se nas águas da fonte, sua unidade rompe-se: o que era um parte-se em dois. É arrastado para fora de si. O que Narciso viu? O ideal de si e lutou para não perder essa imagem. Sua posição reclinada para baixo não permite ver a vastidão do horizonte, deixa-o envolto em si mesmo. Por isso a visão que tem do mundo é ínfima. Mas a imagem ideal refletida é inalcançável, isso o leva à morte como punição por não conseguir trazer para si a imagem desejada.


         Esse mito, ou lenda simboliza a imobilidade, a solidão e a infelicidade, porque Narciso não conseguiu vencer a sedução da própria imagem. Se isso acontecesse, teria que assumir responsabilidades sociais, enfrentar desafios, a realidade, as desilusões. Não há risco zero na vida. Exemplos? Basta prestar atenção na vida dos animais. Se ficar na toca certamente morrerá de fome e sede. É preciso enfrentar a realidade, mesmo sob o perigo de perder a vida. É também a busca da eterna beleza. Morrendo jovem e belo, seria lembrado assim, com sua juventude perpetuada. É a busca do aplauso, do reconhecimento. Esse ideal do belo provoca desejos irrealizados, prazer em seduzir e despertar desejos. Porém não permite que sejam satisfeitos. Isso leva à melancolia, o mundo perde o valor, a consciência aflige-se com fragilidade.


         O grande engano de Narciso foi errar na escolha de amor. Ao invés de dirigi-lo a outro, volta-se para si mesmo e comete um incesto intrapsíquico. Toda sua energia não se liga ao mundo externo e isso é patológico. O que ele ama é a sua sombra, o próprio reflexo, por isso não abandonou as águas da fonte. Somente ali essa ação é possível. Seu desejo era manter-se eterno, perpetuar aquela imagem que o seduziu e a sedução pelo eterno levou-o à morte.


         A fonte é o espelho que atrai e arruína. A imagem refletida não é o que aparenta. Mostra o que é e o que não é. Estimula na alma o desejo por uma imagem inatingível. Narciso achou que era a própria imagem, não se individualizou, não separou realidade e fantasia.


         Esse personagem também pode ser visto por outro ângulo, pois até aqui parece ser doentio. Todos têm um Narciso em si e isso leva a que cada um procure cuidar do próprio corpo; arrumar-se, enfeitar-se para agradar a si e aos outros demais. Isso não significa que esteja voltando sua capacidade de amar e ser amado só para si mesmo, mas tem a finalidade de encontrar alguém, ir em busca do outro e do mundo.

         Logicamente o mito presta-se para muitas outras interpretações. Porém Narciso perambula pela sociedade e está na personalidade de todos.


         O mito de Narciso nos mostra que vivemos na superficialidade, nas aparências. Somos seres sem profundidade.


         O mito de Narciso sempre quer falar algo do ser humano. De uma forma ou de outra sempre trazemos um Narciso dentro de nós. Narciso diz que cada ser humano tem que descobrir que ele é, e qual o caminho que o conduz à felicidade.


Fraterno abraço
André



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