quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Mal-Estar Na Cultura - Introdução

Não sou uma imagem criada pra marketing. Sou Psicanalista e vivo para minha atividade (leia-se meus pacientes) e sempre me defino como um pedreiro que ajuda a construir (as vezes demolir) paredes nessa obra que é a vida.
Nessas últimas semanas andei publicando alguns temas que muitas vezes foram criticados como sendo futebolísticos demais, festivos demais, subversivos demais, e etc...
Sem a mínima demagogia, retomo hoje temas mais ortodoxos e com uma abrangência mais técnica.
De quando em vez vou retomar meus rompantes guevarianos... afinal, já não vivo sem a pressão da gestapo que me vigia e sem o controle do dops que me quer cativo... risos!
Dito isso... segue o baile!
Começo hoje a tratar de uma obra Freudiana muito discutida e como já reproduzi aqui, tida por alguns (muitos) como "um dos mais perturbadores ensaios jamais escritos no que diz respeito ao desenvolvimento cultural da humanidade."
Falo do Mal- Estar na Cultura  escrito em 1929 e publicado em1930.
Desde já convido à todos que comentem... critiquem... façam sugestões. A série vai ser longa. Serão vários textos.
Vou me utilizar da edição da L&PM , vol. 850 de 2012 que teve a tradução do Renato Zwick com revisão técnica de Márcio Seligmann Silva.
Na verdade, aumentando o leque e mergulhando em oceanos insuspeitos, O Mal-Estar na Cultura dá continuidade ao ensaio  O Futuro de uma Ilusão (1927)e retoma também de modo evidente tanto o Além do Princípio do Prazer (1920) como o ensaio de 1913, Totem e Tabu. Contudo, se em 1927 Freud ainda apresentava um entusiasmo com relação à ciência e sua capacidade superior à da religião de descrever a realidade e de oferecer uma técnica de vida mais saudável, em 1930 - não por acaso já com 73 anos, após uma longa doença e em meio ao recrudescimento do nacionalismo nazista - ele retoma sua teoria do impulso de morte/destruição e mostra a ciência como sendo tão ilusória como a religião.
No que tange à diferenças na tradução do original entre cultura e civilização (confusão criada na primeira edição feita na Inglaterra, deixo o próprio Freud explicar:
 
" Como se sabe, a cultura humana - me refiro a tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de sua condições animais e se distingue da vida dos bichos; e eu me recuso a separar cultura (kultur) e civilização (zivilisation) - mostra dois lados ao observador. Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidades humanas e, por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis." ( Em O Futuro de Uma Ilusão, 1927)
 
Se Freud desprezava a distinção entre os termos, não é menos verdade que os dois estão dados em alemão, e ele muito sabiamente elegeu Kultur para seu ensaio que depois se tornaria muito conhecido: Das Unbehagen in der Kultur.
A crítica da civilização remonta na modernidade à Rousseu e seu culto do "bom selvagem"; já Freud recusa a tese da felicidade superior dos "selvagens" e localiza o mal-estar muito antes da construção das cidades. Na sua definição de cultura, já se encontra um ponto que será fundamental no texto de 1930: a ideia da distinção entre o homem e a natureza/animalidade que, por sua vez, se liga à conquista de uma séria de técnicas de extração e conquista de riquiezas, mas também de convívio social.
 
Amanhã, seguimos...
 
Fraterno abraço!
 
André Lacerda - Psicanalista
 
 
   


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