Quem acompanha minhas crônicas, sabe que nas últimas semanas tenho realçado dois assuntos específicos: O tratamento oncológico e os pacientes submetidos aos efeitos da quimioterapia por estar envolvido no processo, e antagonicamente (nem sei se tão antagônica assim)) a reverberação do tema prostituição desencadeada pelo sucesso televisivo de uma novela exibida em rede nacional, diga-se de passagem na TV aberta.
Hoje me detenho no segundo tema.
Ouvi um comentário hoje onde alguém disse que a tal novela estava na verdade, glamorizando a prostituição. Não sei se isso procede. Mas sei que se isso proceder, os alarmes naturais das pessoas devem ser imediatamente acionados. Me explico:
Escrevi uma crônica anos atrás onde se observa a seguinte referência:
" Do terreiro, a noite sai para os puteiros mais pobres onde as mulheres idosas vivem seu último tempo de amor e as meninas recém chegadas da área rural aprendem o difícil ofício de meretriz." (A noite brincalhona da Bahia, crônica publicada em 2009).
E escrevi isso, porque sim! O ofício de meretriz é difícil. A meretriz não é uma mulher de vida fácil. No meu entender não formado de preconceitos, e sim da escuta clínica que faço ao longo de muitos anos, a prostituição é uma das formas mais perversas de produzir humilhação e degradação ao ser humano. E não importa se o resultado disso é um prato de comida nas estradas do sertão nordestino do Brasil, ou se é alguns milhares de euros com viagens de primeira classe e com direito à fotos na rede social onde a moça aparece feliz sob o esplendor da torre Eiffel.
E me valho da obra da Psicanalista Maria Helena Fernandes (O Corpo, da coleção Clínica Psicanalítica), que por sua vez cita os escritos de J.Birmann de 1997 (Le corps et l'affect en psychanalyse: une lecture critique du discours freudien).
Ali se aprende que entendendo o percurso do corpo na metapsicologia, do corpo pulsional ao ego corporal, passando pelo corpo auto-erótico e narcísico, e após saber que para Freud o corpo se constrói a partir da relação com o outro parental, relação primordial e constitutiva da subjetividade, e considerando ainda que, segundo o dualismo pulsional, o corpo emerge também como lugar de encontro de Eros e Tânatos. Sim! Entre Eros (VIDA) e Tânatos (MORTE).
Dai estabelecer que o CORPO é um lugar de encontro de Eros e Tânatos.
Esse encontro permitiu a Freud abordar o corpo sob o ângulo de um corpo, por assim dizer, masoquista, baseando-se na ideia de um masoquismo originário. Os avanços freudianos dos últimos cento e poucos anos, apontam que o acesso à representação de nosso próprio corpo está longe de poder ser adquirido simplesmente a partir de uma imagem. É a dor, diz Freud, que, dando acesso ao conhecimento de nossos órgãos, permite uma representação de nosso corpo em geral.
Em 1915, ao enunciar a diferença entre a força pulsional e os destinos das pulsões, Freud concede à força pulsional uma autonomia em relação às representações psíquicas. Enxerga-se aí as premissas de pulsão de morte tal como será formulada na década de 20, a saber, como pulsão sem representação. Uma explosão da segunda teoria das pulsões, particularmente da noção de pulsão de morte, torna-se necessária já que a clínica analítica em geral mostra que o acontecimento somático, além de alimentar a rede de representações que servem de suporte para a angústia de castração, também remete ao caráter silencioso da pulsão de morte e aos efeitos mais ou menos duráveis e nefastos relacionados à desfunção pulsional.
Tenho convicção que essa crônica deverá ser lida mais de uma vez para o pleno entendimento, sobretudo pra quem não é psicanalista, e os não psicanalistas são a grande maioria de meus leitores. Contudo, tive que ser técnico para me afastar da pecha de preconceituoso que por mais que não seja serei adjetivado pelo pessoal da minha "gestapo" pessoal que insiste em me perseguir desde que comecei a escrever em 2008.
Então... se realmente a tal novelinha estiver glamorizando o exercício da prostituição e o difícil ofício de meretriz, os alarmes naturais devem ser acionados, pois o lugar menos tenebroso que o ser humano que cair nessa cilada frequentará, será o divã de um psicanalista... ou uma clínica psiquiátrica, porque a primeira coisa que descobrirão é que essa verdade JAMAIS será secreta!
E para as meninas que lerem, espero que tenham o saber de que o CORPO é um lugar de encontro de Eros (VIDA) e Tânatos (MORTE).
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista
Excelente matéria para refletir.
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