O título nos remete de imediato a obra de Marcel Proust, onde transformou o tempo em principal personagem de seu romance.
Sei que a obra nem de longe é considerada popular e acessível. Muito pelo contrário. E não sei se eu teria capacidade de escrever sobre ela de uma maneira que agradasse à quem quer que seja. Ainda mais eu, que quando não tenho o que fazer, brinco de ser escritor segundo alguns. No entanto, quem tem padrinho não morre pagão. E com a devida licença, nesta minha crônica de hoje, vou me valer do meu amigo David Coimbra e sua obra Um História do Mundo (2012- Ed LPM).
Proust foi considerado pela crítica literária um dos quatro escritores essenciais do século XX. Os quatro eram ele, James Joyce, Kafka e Freud.
O David diz que ele era um homem estranho. Um autêntico filhinho da mamãe.
A obra monumental desse menino mimado é um romance sobre a tragédia do tempo. O tempo que transforma as pessoas em outras pessoas, que passa e não volta mais, o tempo que pode ser aprisionado e que só pode ser recuperado através da arte de eventuais investidas da memória.
Do primeiro livro de Em Busca do Tempo perdido, repasso alguns pedaços, com a tradução feita por ninguém menos que... Mário Quintana.
"Acho muito razoável a crença céltica de que as almas daqueles a quem perdemos se acham cativas nalgum ser inferior, num animal, um vegetal, uma coisa inanimada, efetivamente perdidas para nós até o dia, que para muitos nunca chega, em que nos sucede passar por perto da árvore, entrar na posse do objeto que lhe serve de prisão. Então elas palpitam, nos chamam, e, logo que as reconhecemos, está quebrado o encanto. Libertadas por nós, venceram a morte e voltam a viver conosco.
É assim com o nosso passado. Trabalho perdido procurar evocá-lo, todos os esforços da nossa inteligência permanecem inúteis. Ele está oculto, fora de seu domínio e do seu alcance, nalgum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) que nós nem suspeitamos.
Esse objeto, só do acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não o encontremos nunca."
Segue Proust:
"Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madeleines e que parecem moldados na valva estriada de uma concha de São Tiago........estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência; ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente r não devia ser da mesma natureza."
Explica e grande David Coimbra:
" Ao sentir o sabor de uma madeleine amolecida pelo chá quente, Proust sentiu o sabor do passado. Um objeto inanimado, um pequeno biscoito, foi o suficiente para desencadear todo um processo de recuperação do tempo perdido. Como se Proust fosse um arqueólogo, porque é precisamente isso que o arqueólogo faz: busca nos objetos o tempo perdido."
Espero que tenham gostado. Mas recomendo tanto a obra do Proust como a do David citados aqui.
Fraterno Abraço
André Lacerda - Psicanalista
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