Entro na fase final da série onde relato a experiência vivida (e posso adiantar que jamais vou abandonar os segmentos oncológicos no meu âmbito profissional) com pacientes oncológicos.
Foram dezessete meses em que o psicanalista viveu quase que exclusivamente para os estudos e acompanhamento de pacientes com câncer.
Aprendeu sobre as metástases. Entendeu a oncogênese. Procurou decifrar os significados e os significantes das disfasias. E sentiu junto com os pacientes as dores, os cheiros e os medos que o câncer produz inexoravelmente. E chorou com as famílias o luto das perdas cujo processo, as vezes, começava semanas ou meses antes da total falência. Vibrou com todas as vitórias e se inseriu em todas as propostas de prevenção, acompanhamento e cura da doença.
Mas.... principalmente descobriu que definitivamente estava certo quando pensou que o psicanalista (cujo lugar é o lugar da falta como preconizou Lacan) também estava no lugar certo quando estava ao lado do leito do paciente oncológico.
David Spiegel, psiquiatra e psicanalista, diretor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Stanford, é muito claro numa fala de quase 20 anos atrás: "Os sentimentos e as emoções que não expressamos se tornam um obstáculo interior. Ao nos esforçarmos para mantê-los fora de nossa consciência, frequentemente aumentamos o efeito do estresse que os provocou e fazemos uso de certos recursos psíquicos que são ainda muito mal conhecidos. Como isso se traduz na maneira como o corpo luta contra a doença? É ainda um mistério. Mas adquiri a convicção de que é assim mesmo que as coisas acontecem e nós estamos começando a compreender os mecanismos."
Hoje se compreende melhor como a biologia do estresse pode pesar sobre a evolução do câncer. Sabemos que o estresse desencadeia a liberação de hormônios que ativam as funções de urgência do organismo - como os mecanismos de inflamação -, facilitando assim a produção de tumores. Paralelamente, o estresse reduz a atividade de todas as funções que podem esperar, como a digestão, a reparação dos tecidos e, sabe-se hoje, o sistema imunológico.
Nos últimos 30 anos, um novo domínio científico surgiu para estudar explicitamente o elo entre os fatores psicológicos e a atividade do sistema imunológico. trata-se da psiconeuroimunologia. São três dimensões que compõe esta nova abordagem. Quando temos a sensação de que nossa vida não está mais administrável, ou está nos trazendo mais sofrimento do que alegria (é o aspecto "psico"), nosso cérebro libera hormônios do estresse como a noradrenalina e o cortisol. Eles ativam o sistema nervoso, aceleram o ritmo cardíaco, fazem subir a pressão arterial, tensionam os músculos para que estejam prontos para o esforço ou para aparar os golpes (aspecto "neuro"). Ora, sabe-se hoje que seu efeito se faz sentir bem além. Essas mesmas substâncias químicas que ativam os reflexos neurológicos e viscerais do estresse agem também sobre as células do sistema imunológico. Com efeito, os glóbulos brancos têm receptores na sua superfície que detectam o que se passa dentro do cérebro emocional e reagem em função dessas oscilações. Algumas dessas células começam a liberar citocinas e quemocinas inflamatórias. Por outro lado, as células NK são bloqueadas pela noradrenalina e pelo cortisol. Elas permanecem passivamente coladas na parede dos vasos, em vez de atacar os vírus que penetram no organismo ou as células cancerosas que proliferam nas proximidades. Quando aprendeu (e se convenceu) disso, a psicanalista pensou que realmente estava no lugar certo. E ... estaria nesse lugar sempre que necessário... pelo resto de sua vida.
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista