Não quero dizer com isso que a dor e o sofrimento próprios devam ser pré requisitos para o exercício de qualquer atividade da área de saúde. Nem quero fazer qualquer apologia romântica ou mesmo odes enaltecedoras de uma ou outra atividade.
Mas meu propósito é contar histórias da vida cotidiana e por vezes penso que algumas experiências por mim vividas possam de alguma forma, ajudar na construção (ou desconstrução) de outras histórias vividas por quem acompanha meus artigos.
Então... segue o baile!
Há algum tempo atrás, estando longe de meus médicos habituais, procurei um médico (o primeiro que me indicou a lista telefônica do lugar onde eu estava) pois "el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo" e mesmo não crendo em bruxas... "pero que las hay las hay...", e afinal, gosto de andar no mundo mesmo sabendo que não vou ficar pra semente, e já fui abrindo o verbo:
- Pois é Doutor. Estou me sentindo meio cansado, com algumas dores de cabeça recorrentes, vez por outra alguma falta de ar, alguns desconfortos no peito e resumindo a ópera, quero que me requisite alguns exames pra ver meu estado geral. Afinal, já são quase cinco décadas percorrendo essa vidinha madrasta! Que o senhor acha?
O médico me olhou... baixou a cabeça sobre a mesa, e em silêncio começou a escrever a requisição em um receituário simples e (inacreditavelmente) com uma letra que parecia de normalista.
Me entregou o papel... e eu vi que pedia os exames laboratoriais e mais os radiológicos e em silêncio ficou.
Peguei o papel... e fuzilei:
- Era isso Doutor??? Sem anamnese??? Sem uma conversa amigável e tranquilizadora?
O médico pigarreou... ajeitou-se na cadeira... cruzou as pernas, descansou os braços na mesa e serenamente declamou:
- Tenho sessenta e cinco anos. Há dois descobri um câncer. Há 3 meses tenho lutado contra a metástase. Sou médico há quase quarenta anos. Minha mulher me deixou. Não tenho filhos e cuido de minha mãe muito idosa que também tem câncer. Nesse consultório aqui, nesse interior esquecido, é onde realizo a única atividade que faço que não me causa dor e sofrimento. Li tua ficha de acolhimento antes de te atender. És psicanalista. Deves saber os motivos que te trouxeram aqui e deves saber também que mesmo essa requisição que te dei é inútil pra ti.
Fiquei embasbacado com as palavras do médico e por muito pouco o coitado não foi cremado com o fogo dos meus olhos.
Agradeci, apertei e mão e me despedi pensando que a mãe dele só podia trabalhar na zona...
Quando estou prestes a abrir a porta e sair explodindo dali, o médico mais uma vez se manifesta:
- André!!! Sei que vais sair pensando mal de mim, falando mal da minha cidade, me achando um grande FDP... mas atenta pra o que eu te digo: Volta pra tua casa. Procura teus médicos. Vive teu mundo por mais estressante que ele possa ser. E cuida do teu coração. Acho que deves atentar pra teu coração... e não me queira mal.
Sai daquele consultório achando que uma consulta no inferno com o morador principal seria melhor do que aquela com aquele médico doido que os pariu.
Segui minha vida e esqueci daquela consulta. Passaram muitos meses e recentemente, por vias diversas, estive com meus médicos habituais, na minha cidade e (que coisa... risos) descobri que faço parte do clube dos que precisam estar atentos para os problemas do coração.
Hoje penso que aquele médico doido, naquela cidade que odiei e naquele momento que resolvi deletar, viu em mim as dores dele.
Meu inconsciente (que tudo sabe mesmo sem eu saber) deve ter assimilado o conselho do médico pois estou em tratamento e certamente, muito em breve estarei naquela cidade churrasqueando (agora sem as maravilhosas gordurinhas... snifff) com todas as pessoas que me acolheram quando lá estive. Quem dera eu pudesse encontrar aquele médico. Ele sabia das coisas!
Fraterno abraço!
André
P.S.: Na texto de hoje, me exponho de alma serena e coração bem tratado pelo Dr. André (com esse nome só pode ser bom... risos) e toda a equipe de Hospital Moinhos de Vento aos quais sou tão grato quanto sou ao médico citado no texto.
Há algum tempo atrás, estando longe de meus médicos habituais, procurei um médico (o primeiro que me indicou a lista telefônica do lugar onde eu estava) pois "el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo" e mesmo não crendo em bruxas... "pero que las hay las hay...", e afinal, gosto de andar no mundo mesmo sabendo que não vou ficar pra semente, e já fui abrindo o verbo:
- Pois é Doutor. Estou me sentindo meio cansado, com algumas dores de cabeça recorrentes, vez por outra alguma falta de ar, alguns desconfortos no peito e resumindo a ópera, quero que me requisite alguns exames pra ver meu estado geral. Afinal, já são quase cinco décadas percorrendo essa vidinha madrasta! Que o senhor acha?
O médico me olhou... baixou a cabeça sobre a mesa, e em silêncio começou a escrever a requisição em um receituário simples e (inacreditavelmente) com uma letra que parecia de normalista.
Me entregou o papel... e eu vi que pedia os exames laboratoriais e mais os radiológicos e em silêncio ficou.
Peguei o papel... e fuzilei:
- Era isso Doutor??? Sem anamnese??? Sem uma conversa amigável e tranquilizadora?
O médico pigarreou... ajeitou-se na cadeira... cruzou as pernas, descansou os braços na mesa e serenamente declamou:
- Tenho sessenta e cinco anos. Há dois descobri um câncer. Há 3 meses tenho lutado contra a metástase. Sou médico há quase quarenta anos. Minha mulher me deixou. Não tenho filhos e cuido de minha mãe muito idosa que também tem câncer. Nesse consultório aqui, nesse interior esquecido, é onde realizo a única atividade que faço que não me causa dor e sofrimento. Li tua ficha de acolhimento antes de te atender. És psicanalista. Deves saber os motivos que te trouxeram aqui e deves saber também que mesmo essa requisição que te dei é inútil pra ti.
Fiquei embasbacado com as palavras do médico e por muito pouco o coitado não foi cremado com o fogo dos meus olhos.
Agradeci, apertei e mão e me despedi pensando que a mãe dele só podia trabalhar na zona...
Quando estou prestes a abrir a porta e sair explodindo dali, o médico mais uma vez se manifesta:
- André!!! Sei que vais sair pensando mal de mim, falando mal da minha cidade, me achando um grande FDP... mas atenta pra o que eu te digo: Volta pra tua casa. Procura teus médicos. Vive teu mundo por mais estressante que ele possa ser. E cuida do teu coração. Acho que deves atentar pra teu coração... e não me queira mal.
Sai daquele consultório achando que uma consulta no inferno com o morador principal seria melhor do que aquela com aquele médico doido que os pariu.
Segui minha vida e esqueci daquela consulta. Passaram muitos meses e recentemente, por vias diversas, estive com meus médicos habituais, na minha cidade e (que coisa... risos) descobri que faço parte do clube dos que precisam estar atentos para os problemas do coração.
Hoje penso que aquele médico doido, naquela cidade que odiei e naquele momento que resolvi deletar, viu em mim as dores dele.
Meu inconsciente (que tudo sabe mesmo sem eu saber) deve ter assimilado o conselho do médico pois estou em tratamento e certamente, muito em breve estarei naquela cidade churrasqueando (agora sem as maravilhosas gordurinhas... snifff) com todas as pessoas que me acolheram quando lá estive. Quem dera eu pudesse encontrar aquele médico. Ele sabia das coisas!
Fraterno abraço!
André
P.S.: Na texto de hoje, me exponho de alma serena e coração bem tratado pelo Dr. André (com esse nome só pode ser bom... risos) e toda a equipe de Hospital Moinhos de Vento aos quais sou tão grato quanto sou ao médico citado no texto.
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