quinta-feira, 31 de julho de 2014

Pílulas do Mal-Estar

Penso que muitos autores, principalmente nas últimas três décadas, se dedicam à chamada literatura de auto ajuda, que muitas vezes ao meu juízo, sofrem até críticas injustas e cruéis.
Atire a primeira pedra aquele que nunca ficou esperançado com uma frase do Paulo Coelho ou do Josefh Murfy.... risos...
De minha parte, depois de publicar artigos sobre o Mal-Estar da Cultura, vou inaugurar o gênero "Pílulas do Mal-Estar"... risos...
Não se assustem queridos leitores...Ou se assustem (pessoal da gestapo e doi codi de minhas poucas angústias). Na verdade vou cotidianamente fazer uma publicação abordando pedaços da Obra O Mal-Estar da Cultura, no sentido e cumprir meu papel de divulgar a Psicanálise, e de repartir com os leitores amigos o entendimento freudiano.
Espero que muitos gostem. Espero que muitos aproveitem. Espero que muitos comentem. Afinal, com essas pílulas abro o debate sobre o Mal - Estar. Topam? risos
 
" Em meu escrito intitulado O Futuro de uma Ilusão, tratou-se muito menos das fontes mais profundas do sentimento religioso e muito mais daquilo que o homem comum entende por sua religião, do distema de doutrinas e promessas, que, por um lado, lhe esclarece os enigmas desse mundo com invejável completude e, por outro, lhe assegura que uma Providência cuidadosa zelará por sua vida e, numa existência no além, compensará eventuais frustações. O homem comum não consegue imaginar essa Providência de outro modo a não ser na pessoa de um pai gradiosamente elevado. Somente um pai assim é capaz de conhecer as necessidades da criança humana, compadecer-se com suas súplicas, apaziguar-se com os sinais de seu arrependimento. Isso tudo é tão manifestamente infantil, tão alheio à realidade, que se torna doloroso para uma mentalidade humanitária pensar que o grande maioria dos mortais nunca poderá se elvar acima dessa concepção de vida. Mais vergonhoso ainda é saber do grande número de nossos contemporrâneos que não podem deixar de reconhecer que essa religião é insustentável e mesmo assim procuram defendê-la parte por parte em lamentáveis combates de retirada." (Sigmund Freud- O Mal-Estar na Cultura, 1930)
 
E embrulho a pílula de hoje, sempre com o Freud, na mesma obra já citada, onde o mestre cita o poema de Goethe, Xênias mansas IX:
 
"Voltemos ao homem comum e à sua religião, a única que deveria levar esse nome. O que primeiro nos ocorre é a conhecida declaração de um de nossos maiores poetas e sábios, que trata da relação da religião com a arte e a ciência:
"Quem tem arte e ciência
Tem também religião;
Quem não tem nenhuma das duas,
Que tenha religião!"
 
Fraterno abraço!
 
André Lacerda - Psicanalista
 
 
     

terça-feira, 29 de julho de 2014

O Mal-Estar Na Cultura - Parte Final

Já inicio me justificano: Tenho espaçado as publicações por absoluta contigência pessoal e em virtude de ainda estar me recuperando de pequenos problemas de saúde. Mas agora tudo bem... e segue o baile... Baile aliás, com música nada leve, afinal essa obra do Freud deu e ainda dá muito pano pra manga.
Já citei e recito o grande Professor Márcio Seligmann Silva que prefaciou a edição que estou seguindo de cujos ensinamentos estou me valendo e repassando aos leitores.
Acho que a parte mais polêmica e discutida deste  ensaio do Freud, é extamente aquela em que o mestre retoma sua análise da religião e localiza a sua origem na sensação de desamparo da criança, que é oposta ao seu nasrcisismo originário e o violenta. Para comprovar essa tese, Freud lança mão de dois procedimentos que lhe são muito caros.
Primeiro ele faz um cruzamento (uma tradução, poderíamos dizer) entre elementos que foram conquistadosw pela psicanálise no estudo de indivíduos e a situação de toda a humanidade. O que vale para o indivíduo (ontogênese)  vale também para a espécie (filogênese). Tal gesto marca todo o ensaio de Freud e boa parte de seus estudos mais históricos e antropológicos. A outra característica deste ensaio a ser destacada é de certo modo derivada desse primeiro procedimento. A fim de traduzir descobertas referentes a indivíduos (que possuem uma história relativamente breve e são apenas um organismo) para sociedades (com bilhões de organismos e que se estende por uma temporalidade de centenas de milhares de anos), Freud precisa pensar um modelo de passagem de geração para geração de certos dados que são, por assim dizer, inconscientes.
Existe, portanto, uma teoria da temporalidade e da inscrição mnemônica transgeracional que ocupa um papel de destaque neste ensaio.  
Verifica Freud que o sentimento oceânico proposto pelas religiões é uma projeção posterior do sentimento do bebê de indistinção com o mundo e de ampara absoluto. O bebê é puro "behagen" (sentir-se protegido). Para ele, não existe o mundo. Esse ponto zero do desenvolvimento de certo modo é visto por Freud neste ensaio como o fim de toda a libido, que visaria a atingir novamente um estágio de completude, sem conflito com o mundo.
Mas todas as outras partes do ensaio mostram justamente a batalha titânica entre a humanidade e a natureza. Em algum momento, Freud nos dá a terrível notícia de que na verdade não estamos programados para a felicidade, como se observa:
 
" Toda permanência de uma situação anelada pelo princípio do prazer fornece apenas uma sensação tépica de bem-estar; somos feitos de tal modo que apenas podemos gozar intensamente o contraste e somente muito pouco o estado."
 
A toda satisfação segue imediatamente um renovado desejo e uma nova necessidade. Essa visão de mundo trágica Freud pôde encontrar largamente entre os tragediógrafos gregos, como em Eurípides, cuja Medeia afirma que "Viver é ter desgostos", ou ainda na tragédia Orestes, na qual Electra profere as palavras: "A mudança é entre todas as coisas a mais agradável." E na mesma peça o coro profere também a máxima: " A grande felicidade não é durável entre os mortais".
Por fim, observa-se que não deixa de ser desconcertante para nós - ao estudarmos este ensaio oito décadas depois de sua composição, ou seja, após não apenas a Segunda Guerra Mundial, Auschwitz, Hiroshima, centenas e milhares de massacres, genocídios e ditaduras sangrentas, mas também em meio a um processo vertiginoso de globalização e de construção de grandes blocos de nações que está transformando o mapa-mundi- pensar nessa concomitância detectada por Freud da tendência a se construírem unidades culturais sempre maiores, ao lado da tendência à destruição e ao aniquilamento.
 
Assim, encerro a série sobre o Mal-Estar na Cultura, sugerindo sempre que bebam na fonte... ou seja... a obra do Freud.
Espero que tenham gostado...
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista
 
   

quinta-feira, 17 de julho de 2014

O Mal -Estar na Cultura - Parte 2

Retomo conforme o combinado, publicação sobre O Mal - Estar na Cultura.
Reitero que esse ensaio do Freud, considerado uma obra difícil por muitos, é, ao meu juízo, uma das mais importantes obras literárias do século XX. Espero que todos aproveitem...
 
Como já disse na publicação anterior, Freud estava cético em 1930. Assim, é impotante ressaltar também a importância do outro termo do título original: Unbehagen (mal - estar). O significado do termo behagen (que é negado pelo prefixo un-) é algo como "sentir-se protegido".
Unbehagen remete a uma fragilidade, a uma falta de abrigo, a estar desprotegido. É interessante que esse termo também se aproxima de outro termo-chave para a psicanálise, a saber, Unheimlich (estranho, sinistro), que deu título a um famoso e fundamental ensaio de Freud de 1919: "O estranho".
Um dos sentidos de unheimlich, como o próprio Freud destacou, é justamente o de unbehaglich (o que provoca mal-estar). Se de certo modo podemos dizer que a psicanálise procedeu à revelação do Unheimlich da psique do indivíduo, ou seja, revelou "tudo aquilo que deveria ter permanecido em segredo e oculto e veio à luz" ( na definição do filósofo idealista Schelling, aprovada por Freud), no caso desde ensaio de 1930 Freud procura mostrar o oculto, o segredo, por detrás de toda cultura e da nossa humanidade, ou seja, seu mal-estar e suas origens mais profundas.
 
Fraterno Abraço
 
André Lacerda - Psicanalista
 
     

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Mal-Estar Na Cultura - Introdução

Não sou uma imagem criada pra marketing. Sou Psicanalista e vivo para minha atividade (leia-se meus pacientes) e sempre me defino como um pedreiro que ajuda a construir (as vezes demolir) paredes nessa obra que é a vida.
Nessas últimas semanas andei publicando alguns temas que muitas vezes foram criticados como sendo futebolísticos demais, festivos demais, subversivos demais, e etc...
Sem a mínima demagogia, retomo hoje temas mais ortodoxos e com uma abrangência mais técnica.
De quando em vez vou retomar meus rompantes guevarianos... afinal, já não vivo sem a pressão da gestapo que me vigia e sem o controle do dops que me quer cativo... risos!
Dito isso... segue o baile!
Começo hoje a tratar de uma obra Freudiana muito discutida e como já reproduzi aqui, tida por alguns (muitos) como "um dos mais perturbadores ensaios jamais escritos no que diz respeito ao desenvolvimento cultural da humanidade."
Falo do Mal- Estar na Cultura  escrito em 1929 e publicado em1930.
Desde já convido à todos que comentem... critiquem... façam sugestões. A série vai ser longa. Serão vários textos.
Vou me utilizar da edição da L&PM , vol. 850 de 2012 que teve a tradução do Renato Zwick com revisão técnica de Márcio Seligmann Silva.
Na verdade, aumentando o leque e mergulhando em oceanos insuspeitos, O Mal-Estar na Cultura dá continuidade ao ensaio  O Futuro de uma Ilusão (1927)e retoma também de modo evidente tanto o Além do Princípio do Prazer (1920) como o ensaio de 1913, Totem e Tabu. Contudo, se em 1927 Freud ainda apresentava um entusiasmo com relação à ciência e sua capacidade superior à da religião de descrever a realidade e de oferecer uma técnica de vida mais saudável, em 1930 - não por acaso já com 73 anos, após uma longa doença e em meio ao recrudescimento do nacionalismo nazista - ele retoma sua teoria do impulso de morte/destruição e mostra a ciência como sendo tão ilusória como a religião.
No que tange à diferenças na tradução do original entre cultura e civilização (confusão criada na primeira edição feita na Inglaterra, deixo o próprio Freud explicar:
 
" Como se sabe, a cultura humana - me refiro a tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de sua condições animais e se distingue da vida dos bichos; e eu me recuso a separar cultura (kultur) e civilização (zivilisation) - mostra dois lados ao observador. Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidades humanas e, por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis." ( Em O Futuro de Uma Ilusão, 1927)
 
Se Freud desprezava a distinção entre os termos, não é menos verdade que os dois estão dados em alemão, e ele muito sabiamente elegeu Kultur para seu ensaio que depois se tornaria muito conhecido: Das Unbehagen in der Kultur.
A crítica da civilização remonta na modernidade à Rousseu e seu culto do "bom selvagem"; já Freud recusa a tese da felicidade superior dos "selvagens" e localiza o mal-estar muito antes da construção das cidades. Na sua definição de cultura, já se encontra um ponto que será fundamental no texto de 1930: a ideia da distinção entre o homem e a natureza/animalidade que, por sua vez, se liga à conquista de uma séria de técnicas de extração e conquista de riquiezas, mas também de convívio social.
 
Amanhã, seguimos...
 
Fraterno abraço!
 
André Lacerda - Psicanalista
 
 
   


sábado, 12 de julho de 2014

O gozo no céu e no inferno!

E ele estava ali! De frente ou de costas para o gol. Naquele momento não sabia se erguia os braços e vibrava como o goleador ou se chorava como o goleiro vazado.
Lembrou Belchior:
 
"Estava mais angustiado
Que o goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim
Como o sol num quintal....."
 
E ela estava ali! De frente ou de costas para o gol... E naquele momento ela era fria como as brancas traves da goleira. E não vibrava e nem chorava.
E lembrou do Belchior:
 
"Dai um analista amigo meu
Disse que desse jeito
Não vou ser feliz direito
Porque o amor é uma coisa mais profunda
Que uma transa sensual...!
 
E os dois não se encontravam nunca.  O gol dele era exatamente a angústia dela. E o gol dela transformava ele num triste goleiro.
E ambos lembravam do Belchior:
 
"Eu quero gozar no seu céu
Pode ser no seu inferno
Viver a divina comédia humana
Onde nada é eterno!"

E depois ficaram pelos salões, pelas casas, pelas avenidas... formas nebulosas carregadas de sombras.. parecidos com eles mesmos...
E ambos lembraram o Belchior que citou Bilac:

"Ora direis
Ouvir estrelas... certo
perdeste o senso
e eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo, tempo
e algum medo de dizer não
Eu canto!"

Fraterno abraço!

André

Curtam a música. recomendo muito!!!!!!

https://www.youtube.com/watch?v=9_n3Rd4bPy4

 
 
 
 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Essa crônica não tem nada a ver com a Copa!(???)

Aquele brasileiro encerrou a semana passada no mais profundo sentimento do capitão Nascimento de Tropa de Elite: Com o fiofó (pra não citar o personagem ipsis verbis) na mão!
Seu médico lhe anuncia:
 
- Temos problemas com teu coração e precisamos fazer um procedimento sério e urgente. Será no início da semana que vem. Te prepara!
 
Ele sai pensando que era só o que faltava. Já estava com o fiofó na mão porque no outro dia a seleção canarinho ia disputar uma vaga nas oitavas da copa, num terrível mata-mata contra o perigoso Chile do Aranguiz...
Seguiu em frente afinal era sexta feira, e na sexta feira não existem problemas. Segunda feira é dia de problemas. Se não fosse o jogo do sábado dava até pra relaxar...
E veio o sábado. E veio o jogo. E foi aquilo. O fiofó na mão do brasileiro até o último chute, no último segundo, e enfim explodiu de entusiasmo ufanista e gritava: O campeão voltooouuuu!!!!!!
Relaxou....
No fim da noite ao deitar lembrou-se da expressão séria do médico:
 
- "Te prepara!"
E até sorriu cantando em silêncio a canção do seu amigo de anos:
"Qualquer dia te dou cabo caborteiro coração.
Porque insistes em bater cascos até quando eu digo não!"
 
Ficou novamente com o fiofó na mão... mas tudo bem..pensou:
- O brabo vai ser pegar a Colombia na sexta feira com aquele guri que quer ser igual ao Cristiano Ronaldo... o tal James... aiaiaiai!!!!
 
No domingo se calou com a boca de feijão e pensou que seria uma boa ter uma TV na sala de recuperação do hospital onde estaria depois do procedimento que seria o divisor de águas entre sua vida e sua morte.
E era fim de mês. E as contas batendo e o salário não dando. E ele pensando:
 
- Mas a Colombia é a única seleção que ainda não perdeu nessa copa. Cacete!!!!!
 
E veio o procedimento... e ele viu pelo visor em preto e branco a invasão do instrumento que fazia o conserto no seu coração (logicamente com o fiofó na mão), e por fim viu o sorriso do médico dizendo que foi tudo bem. E na recuperação ouviu atentamente as recomendações do médico:
 
- Não te incomoda com nada. Esqueça trabalho, contas, problemas, e tudo que pode te causar algum estresse. Serenidade e calma são importantíssimas pra tua recuperação. Cuida da alimentação e procure te recuperar em paz.
- Tudo bem Doutor... Te agradeço. Vou cumprir tuas orientações!
 
E na alta hospitalar, o médico faz uma brincadeira:
 
- Não te emociona muito no jogo de sexta contra a Colombia viu???
 
Aquele brasileiro deu um sorriso amarelo e pensou:
 
- Como pude deixar esse cara mexer no meu coração??? Esse cara é doido! Como ousa brincar com uma coisa dessas? Como vou ficar sereno nesse jogo de sexta feira? Só pode estar bêbado!!!!
 
E na frente da TV na sexta sofreu até os 50 do segundo tempo. Por fim gritou de alegria e todos os problemas estavam resolvidos. Segunda Feira teria as contas, os problemas, o trabalho, o feijão da  fria marmita, o tratamento longo e caro e tudo mais. Mas enfim... Que venha a Alemanha!!!! UHUUUU!!!
E não desgruda os olhos da TV que mostrava a festa em todo o País. Ate que vem a notícia:
 
"Neymar está fora da copa. Não teremos o craque e esperança do time nos dois últimos jogos!"
 
Aquele brasileiro se cala novamente com a boca de feijão e engole duas lágrimas de desesperança.
Será mais um  final de semana com o fiofó na mão!
 
Fraterno Abraço!
André