quinta-feira, 23 de julho de 2015

O Corpo!

Começo minha crônica de hoje me explicando:
As meus leitores fiéis do blog  "O Criador e a Criatura" e da mídias sociais, peço desculpas pelas lacunas de tempo que tenho deixado entre uma e outra publicação. Estou inserido num novo projeto, que além de novo requer muito de meu tempo. Estou inserindo a minha atividade clínica psicanalítica, como coadjuvante no tratamento oncológico quimioterápico com pacientes que estão em tal situação. E creiam: Isso vai render belas e emocionantes crônicas num futuro bem próximo.
E foi observando e convivendo com essa situação que me deparei com uma reflexão inerente ao antagonismo que presencio na vida cotidiana. De um lado pessoas que entregam seus corpos numa luta hercúlea pela vida. De outro lado pessoas que entregam (muitas vezes) suas vidas pelo CORPO. Dentre os exemplos mais recentes e famosos posso citar no segundo caso, o genial Michael Jackson e a celebridade (e me refiro assim por desconhecer a profissão da moça, e me recuso a citar um ser humano apenas por miss bumbum) Andressa Urach.
Valei-me sensacional e competente Dra Maria Helena Fernandes, importante psicanalista do cenário nacional, em sua publicação O Corpo ( Coleção Clínica Psicanalítica, 2003, Ed Casa do Psicólogo), que eu recomendo com toda a ênfase.
Obrigado Dra Maria Helena pela publicação. Tomo-lhe emprestado as palavras e compartilho com meus leitores.
 
O corpo está em alta! Alta cotação, alta produção, alto investimento...alta frustação. Alvo do ideal de completude e perfeição, veiculado na pós-modernidade, o corpo parece servir de forma privilegiada, por intermédio da valorização da magreza, da boa forma e da saúde perfeita, como estandarte de uma época marcada pela linearidade anestesiada dos ideais.
Atualmente o intenso interesse da imprensa pelas questões que envolvem o corpo pode ser facilmente verificado pela quantidade de reportagens que invadem nosso cotidiano tratando da saúde ou da doença. E isso sem falar na abordagem estética, que se tornou um dos assuntos preferidos também das publicações sérias. O corpo toma a frente da cena social. Sua forma ou seu funcionamento é assunto frequente nas conversas entre amigos, nas piadas contadas na mesa de bar, nas novelas, no cinema, etc.
O corpo saiu do espaço privado do interior das casas e do espaço restrito das instituições de saúde e ganhou o espaço público: as academias, as clínicas de estética... a rua. Corpo nu, corpo vestido, corpo de mulher, corpo de homem, o corpo serve para vender qualquer coisa, até mesmo o próprio corpo, basta observar ainda a proliferação de outdoors com propagandas de tratamentos cirúrgicos e estéticos.   
Não se pode deixar de observar que os progressos tecnológicos da medicina e da genética vêm reformulando de maneira acelerada a relação do sujeito com o próprio corpo, tanto no que diz respeito às questões do adoecer quanto às questões ligadas ao envelhecimento. Habituados a transpor os limites do corpo, os cientistas nos informam entusiasmados que tais progressos nos permitirão viver mais e melhor. Livres de doenças que durante bom tempo perturbaram o sono da humanidade, somos convidados a nos deixar embalar pela perspectiva de vencermos também a luta contra o tempo.
As ressonâncias desses progressos certamente se fazem ouvir na clínica psicanalítica da atualidade. Estandarte de um ideal de perfeição que se busca insistentemente alcançar, o corpo é hoje hiperinvestido, porém frequentemente apontado como fonte de frustação e sofrimento, constituindo-se como meio de expressão do mal-estar contemporâneo.
Em entrevista concedida à revista Percurso, Jurandir Freire Costa chama a atenção para uma mudança de perfil clínico dos analisando, salientando o aumento de casos de depressão, toxicomanias e do que ele denominou "distúrbios da imagem do corpo".
Embora nos imagens da dor tenham surgido - reflexos da mudança dos tempos-, elas continuam, no entanto, a guardar a mesma característica das imagens dos corpos retorcidos das histéricas de outrora, ou seja, a imagem do velamento do sofrimento, do tumulto do conflito, da dor.
Assiste-se, assim, à emergência dos ditos "novos sintomas": os abundantes  e variados transtornos alimentares, a compulsão para trabalhar, para fazer exercícios físicos, as incessantes intervenções cirúrgicas de modelagem do corpo, a sexualidade compulsiva, o horror ao envelhecimento, a exigência da ação, o terror da passividade, a busca psicopatológica da saúde ou, ao contrário, um esquecimento patológico do corpo, e ainda a variedade dos quadros de somatização. Sintomas que denotam, a meu ver, de forma positiva ou negativa, a submissão completa do corpo
Essas imagens da dor, surgidas e evocadas pela clínica psicanalítica, funcionando como espelho da cultura, refletem, de forma diversificada, a imagem do mal-estar na atualidade.
No texto "Psicologia das massas e análise do ego" (1921), Freud afirma que não existe constituição solipsista do psiquismo. Se  a psicologia individual é simultaneamente psicologia social, pelo simples fato de que a subjetividade se constitui a partir da alteridade, da existência fundamental do outro como eixo constitutivo do psiquismo, então, pode-se avançar a ideia, de acordo com Freud, de que as formações psicopatológicas falam da cultura, ou melhor, retiram dela o material de base que lhes dará forma, que lhes dará imagem!
 
Essa crônica não manifesta minha opinião favorável ou desfavorável sobre qualquer coisa. À mim, cabe ser um menestrel narrador para uns e arauto a desgraça para outros. Por amar meu ofício, consigo me manter no lugar onde cada um me vê e coloca. 
 
Fraterno abraço!
André Lacerda - Psicanalista  
 
      
 
 


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