quinta-feira, 30 de julho de 2015

O Psicanalista no Tratamento Oncológico/Quimioterápico - A DOR!

A paciente estava no meio da segunda semana de quimioterapia. Até agora estava indo tudo bem e os efeitos do remédio ainda não eram devastadores e o desconforto até então, estava sendo bem tolerado. Até então...
O psicanalista sabia que aquilo ia piorar. E ia piorar muito.
Naquela metade da segunda semana viu que sua paciente estava começando a sentir os efeitos medicamentosos e ele conseguia ver isso no semblante dela que começava a esboçar o sentido do golpe. E ele assimilou a força e a violência do golpe. Isso era inexorável. 
Sabia que a depressão seria mais rápida e mais poderosa que os antidepressivos;
Sabia que a dor das articulações chegaria e seria devastadora;
Sabia que a xerostomia (boca seca) seria comparável aquilo que sentem os caminhantes no mais escaldante deserto e que não haveria água que aliviasse;
Sabia que a falta de apetite impediria qualquer alimentação prazerosa (afinal comer sempre foi um prazer) e agora a alimentação teria um sentido de sobrevivência, mesmo que o mais requintado manjar tivesse gosto de alumínio; 
Sabia que aquela angústia que oprimia e apertava o peito seria uma constante naqueles doze meses de tratamento;
Sabia de tudo ....
E sabia também que sabia lidar bem com as "psico dores".
Pensou que o sintoma físico nos casos de histeria, o tratamento psicanalítico busca invalidar a importância daquele sintoma, procurando o nó psíquico à ser desatado.
Pensou que nas doenças de origem psicossomática, além do alívio e extermínio do sintoma tem de se buscar a origem desencadeadora, e que nesses casos quase sempre a inibição gerava o sintoma que gerava por sua vez a angústia. 
Mas sabia que naquele caso, e em todos os outros casos de pacientes oncológicos submetidos à quimioterapia, seu suposto saber deveria ser reformulado e deveria buscar outras alternativas.
Todos os efeitos não tinham origem psíquica. Nem mesmo a depressão e a angústia eram psicológicas. Tudo vinha da ação do remédio salvador. Tudo era realmente físico.
Pensou. Pensou. Pensou...e... nada...
Entristecido, pensou que sua paciente iria se decepcionar. Afinal, ela apostara que a presença do psicanalista naquele momento seria de grande valia e suporte. Nada lhe restava à não ser consolar e confiar no seu inconsciente.
O que? Confiar no inconsciente? Lógico!!!
Se na histeria se invalida o sintoma físico, era preciso nesse caso VALIDAR  o efeito do remédio. Afinal o remédio era na verdade a vida vencendo a morte. A dor causada pelo remédio era sinal de que ele estava agindo e fazendo efeito. A dor era na verdade,  o câncer sendo combatido e eliminado. A boca seca era sinal de que estava sendo deixado pra trás o deserto inóspito. O gosto de metal na boca significava que o corpo estava sendo protegido por uma armadura que nada iria perfurar. E a depressão e a angústia eram sinais que a paciente estava sim em guerra, mas que estava vencendo.
Lavou o rosto. Ajeitou o nó da gravata. Bebeu água. Voltou à sala quimioterápica onde a paciente estava muito abatida e falou:
- Quero conversar contigo sobre o Câncer.
A paciente arregalou os olhos esperando qualquer coisa de muito ruim. O psicanalista prossegui:
- Há bem pouco tempo, quase que a totalidade dos pacientes com câncer recebiam no diagnóstico uma sentença de morte. Hoje o câncer não é mais uma sentença de morte. Sabes porque? Porque o espírito humano desenvolve a cada dia formas de superar qualquer coisa, e o espírito humano é que desenvolveu a cura dessa doença. Então, a partir de agora, nós vamos falar sim sobre o câncer e principalmente, do milagre que a quimioterapia está promovendo em ti e em todos os pacientes daqui.  
Pode ter sido apenas impressão, mas naquele dia o psicanalista acredita ter visto sua paciente menos abatida quando a última gota do remédio caiu do frasco, e ela disse sorridente pra enfermeira:
- Até amanhã! Teremos um ano inteiro pra nos conhecer melhor!
 
Fraterno abraço
André Lacerda - Psicanalista 
 
 
 
 
   
   

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