terça-feira, 24 de junho de 2014

A Divina Tarefa de Recomeçar!

Alguém já precisou recomeçar alguma coisa? Ou melhor... será que alguém nunca precisou recomeçar? A cada novo dia, a cada hora, e eu diria até que a cada segundo estamos recomeçando.
O que será mais difícil? Começar ou recomeçar? Ou melhor... o que é mais fácil? Começar ou recomeçar?
Valei-me meu São Luiz Gonzaga Jr. que profetizou:
 
"Começaria tudo outra vez
Se preciso fosse meu amor...
A chama em meu peito ainda queima
Nada foi em vão..."
 
Eu até que poderia analisar com base na lógica. Afinal, se preciso recomeçar é porque interrompi algum processo já começado e interrompido. Logo, premissa maior e premissa menor, me levariam logicamente a concluir que se preciso recomeçar é porque em algum momento fui vencido naquilo que já tinha começado. Em tese perdi. Em tese sofri. E recomeçar seria então levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Mas não sei se gosto de ser lógico as vezes... risos...
As vezes (muitas vezes) prefiro a esperança da poesia e a lúdica luz da esperança...
Gosto de saber que recomeçar é muito mais fácil pois no recomeço carrego comigo toda a experiência do antigo começo e assim, já posso identificar o rengo sentado e o cego dormindo...
Quando decido recomeçar é porque me sinto capacitado para romper barreiras que antes me bloquearam...
Ao recomeçar, busco todas as ferramentas do meu consciente e mesmo as do meu inconsciente...
Quando recomeço me dispo da veste de derrotado, e me visto como um infante equipado inclusive com as armas de Jorge (aquele que enfrenta dragões)...
E me vem de novo a música do Gonzaguinha:
 
" A fé no que virá
E alegria de poder voltar atrás
E ver que voltaria com você
De novo viver nesse imenso salão!
Ao som desse bolero
Vida vamos nós
Que não estamos sós
Veja meu bem
A orquestra nos espera
Ontem, hoje e sempre
Recomeçar...
Todo dia... Recomeçar..."
 
Amanhã meus amigos, todos nós vamos acordar e inexoravelmente vamos ter de recomeçar. E depois, e depois, e depois, e depois de amanhã também. 
Então... sempre... RECOMEÇAR.
Fraterno abraço
André
 
P.S.: Aos interessados sugiro o clip do Gonzaguinha...é só seguir o link: 
 
 
 
  

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A Dor Ensina a Gemer e a Curar!

Não tenho certeza se é um provérbio popular ou se foi uma frase ouvida de algum paciente ou amigo. Mas o fato é que a expressão "o melhor médico é aquele que já sentiu a dor que trata", tem habitado meus pensamentos cotidianos.
Não quero dizer com isso que a dor e o sofrimento próprios devam ser pré requisitos para o exercício de qualquer atividade da área de saúde. Nem quero fazer qualquer apologia romântica ou mesmo odes enaltecedoras de uma ou outra atividade.
Mas meu propósito é contar histórias da vida cotidiana e por vezes penso que algumas experiências por mim vividas possam de alguma forma, ajudar na construção (ou desconstrução) de outras histórias vividas por quem acompanha meus artigos.
Então... segue o baile!
Há algum tempo atrás, estando longe de meus médicos habituais, procurei um médico (o primeiro que me indicou a lista telefônica do lugar onde eu estava) pois "el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo" e mesmo não crendo em bruxas... "pero que las hay las hay...", e afinal, gosto de andar no mundo mesmo sabendo que não vou ficar pra semente, e já fui abrindo o verbo:

- Pois é Doutor. Estou me sentindo meio cansado, com algumas dores de cabeça recorrentes, vez por outra alguma falta de ar, alguns desconfortos no peito e resumindo a ópera, quero que me requisite alguns exames pra ver meu estado geral. Afinal, já são quase cinco décadas percorrendo essa vidinha madrasta! Que o senhor acha?

O médico me olhou...  baixou a cabeça sobre a mesa, e em silêncio começou a escrever a requisição em um receituário simples e (inacreditavelmente) com uma letra que parecia de normalista.
Me entregou o papel... e eu vi que pedia os exames laboratoriais e mais os radiológicos e em silêncio ficou.
Peguei o papel... e fuzilei:

- Era isso Doutor??? Sem anamnese??? Sem uma conversa amigável e tranquilizadora?

O médico pigarreou... ajeitou-se na cadeira... cruzou as pernas, descansou os braços na mesa e serenamente declamou:

- Tenho sessenta e cinco anos. Há dois descobri um câncer. Há 3 meses tenho lutado contra a metástase. Sou médico há quase quarenta anos. Minha mulher me deixou. Não tenho filhos e cuido de minha mãe muito idosa que também tem câncer. Nesse consultório aqui, nesse interior esquecido, é onde realizo a única atividade que faço que não me causa dor e sofrimento. Li tua ficha de acolhimento antes de te atender. És psicanalista. Deves saber os motivos que te trouxeram aqui e deves saber também que mesmo essa requisição que te dei é inútil pra ti.

Fiquei embasbacado com as palavras do médico e por muito pouco o coitado não foi cremado com o fogo dos meus olhos.
Agradeci, apertei e mão e me despedi pensando que a mãe dele só podia trabalhar na zona...
Quando estou prestes a abrir a porta e sair explodindo dali, o médico mais uma vez se manifesta:

- André!!! Sei que vais sair pensando mal de mim, falando mal da minha cidade, me achando um grande FDP... mas atenta pra o que eu te digo: Volta pra tua casa. Procura teus médicos. Vive teu mundo por mais estressante que ele possa ser. E cuida do teu coração. Acho que deves atentar pra teu coração... e não me queira mal.

Sai daquele consultório achando que uma consulta no inferno com o morador principal seria melhor do que aquela com aquele médico doido que os pariu.
Segui minha vida e esqueci daquela consulta. Passaram muitos meses e recentemente, por vias diversas, estive com meus médicos habituais, na minha cidade e (que coisa... risos) descobri que faço parte do clube dos que precisam estar atentos para os problemas do coração.
Hoje penso que aquele médico doido, naquela cidade que odiei e naquele momento que resolvi deletar, viu em mim as dores dele.
Meu inconsciente (que tudo sabe mesmo sem eu saber) deve ter assimilado o conselho do médico pois estou em tratamento e certamente, muito em breve estarei naquela cidade churrasqueando (agora sem as maravilhosas gordurinhas... snifff) com todas as pessoas que me acolheram quando lá estive. Quem dera eu pudesse  encontrar aquele médico. Ele sabia das coisas!

Fraterno abraço!

André
P.S.: Na texto de hoje, me exponho de alma serena e coração bem tratado pelo Dr. André (com esse nome só pode ser bom... risos) e  toda a equipe de Hospital Moinhos de Vento aos quais sou tão grato quanto sou ao médico citado no texto.            



  
 
      

sábado, 14 de junho de 2014

Os Sapatos do Matador!

Dia de sábado! Houve um tempo em que o psicanalista dedicava seus sábados aos pacientes internos numa ala de um hospital de Porto Alegre. Essa ala, era conhecida pelos profissionais como sendo a dos pacientes terminais.
Eram pacientes em estado gravíssimo, sem esperanças médicas, sem chances de sobrevida, enfim, sem mais nada a fazer. Então... no decorrer da semana os médicos mantinham com seus pacientes o seguinte diálogo:
- As coisas estão evoluindo. Vamos manter a medicação e vamos esperar alguma reação. Mas tenho uma novidade: No sábado, pedi pra um amigo psicanalista te visitar e conversar contigo e com certeza ele vai te ajudar na tua recuperação.
Então o médico falava com o psicanalista amigo, explicava a situação e de maneira informal essa relação se estabelecia... e o psicanalista topou... e provavelmente naqueles 10 meses viveu experiências inesquecíveis.
Antes do primeiro sábado preparou-se. Estudou e reestudou Freud e suas abordagens sobre a morte. Orientou-se mais do que o normal e sua orientadora foi acolhedora e generosa. Resolveu deixar um pouco de lado o pragmatismo de Lacan. E... pela primeira vez pensou que se não fosse ateu as coisas seriam mais fáceis. Afinal, quando não se tem mais nada à oferecer, sempre se pode oferecer uma prece. Mas ele não rezava. Mas acreditava na verdade de seu ofício, na serenidade de sua alma e na pureza de seu coração. Mas mesmo assim ensaiava uma prece pedindo que São Freud o iluminasse, pois estava inexoravelmente meio perturbado com a ideia de ser para aqueles pacientes, o anjo negro da morte... ou o barqueiro Caronte que lhes conduziria pelo Aqueronte, rio do infortúnio, no caminho que terminaria nas portas de Hades, onde Cérbero os aguardaria.    
Na Sexta da véspera não dormiu! O copo de cabernet ficou cheio. Nem água descia... e a boca estava seca...
Sábado primaveril. O trânsito fluía com anormal rapidez e ele torcia por um engarrafamento. Chegou.
O corredor de acesso era de um branco sombrio e gelado. Na porta da ala um aviso: Acesso restrito à pessoas autorizadas. Olhou seu crachá e pensou: Cacete!!!!  Sou autorizado!!! O porteiro não vai me barrar! Cacete!!
Entrou.
Pensou que não podia citar Freud naquele primeiro encontro. Como falar dos demônios que todos nós temos e que o psicanalista quase sempre desperta??? Não... não era hora de Freud.
Pensou que seria melhor citar Hipócrates e partes de seu célebre juramento:
 
"Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com homens livres ou escravizados.  Curar algumas vezes, aliviar quase sempre, consolar sempre!"
 
Todos os pacientes mateavam o verde de suas esperanças e a cena que o psicanalista viu não tinha a nada a ver com a cena que esperava.
E o mais espirituoso dos pacientes da ala dos "terminais" iniciou o diálogo:
- O senhor é o médico de loucos que o Dr.Fulano mandou nos ver nos sábados?
- Não... risos... o Freud disse que os psicanalistas eram médicos de almas.... risos ( tímidos risos)
- O senhor viu que nós todos aqui usamos uniformes né?? Não temos cabelo e fazemos a mesma dieta pra emagracer... kkkkkkkk ( ele gargalhava... )
E outro paciente vai chegando... e outros chegando... e todos formaram um roda em torno do psicanalista...
- Aceita um mate Doutor???
- Claro... mas não quero incomodar... Só vim conversar com vocês... não quero aborrecê-los!
- Então toma esse mate tchê!!!!kkkkkk ( e todos gargalhavam.... )
E aquele sábado foi um sábado de conversas sobre futebol, política, filmes e até da boca da Angelina Jolie falaram.
Já pelo meio da tarde aquele paciente mais espirituoso mais uma vez manifestou-se diretamente pro psicanalista:
- Doutor... relaxa! Todos nós sabemos porque os outros especialistas te mandaram aqui. E todos aqui gostaram de ti, pois esperavamos um chato que viesse falar de doença e de morte etc. Tu veio e falou de futebol, de mulher, de tv... e até mateou e almoçou com a gente... tu é o único estranho que não vem aqui falar de remédios e exames...Relaxa tchê!!!! E volta sempre... na próxima vamos fazer uma pipoca pra ver o futebol na TV.
O psicanalista de acolhedor sentiu-se acolhido... e quase (eu disse QUASE...risos) foi às lágrimas.
- Está bem! No próximo sábado estarei aqui. Mas eu trago a pipoca e a erva pro mate!
- Te esperamos... mas ó! Não precisa vir com esse sapato da próxima vez tá???? kkkkkkkkk (TODOS os pacientes cairam numa gargalhada geral).
Só então o psicanalista percebeu que naquele sábado tinha trocado o terno e gravata habituais e vestido um jeans com um tênis branco. O tal tênis tinha nas laterais a marca em letras garrafais: KILLER ( que em inglês significada MATADOR)!!!
Foram dez meses  até que a vida os separou naquele último mês do ano de 2008.
A morte separou o psicanalista de muitos.
Mas a vida que separou as vezes ainda reaproxima quem ainda está vivo.
E sempre, ainda hoje, quando algum dos pacientes sobreviventes encontra o psicanalista ainda o abraça com um sorriso largo e pergunta:
- Como estás matador!!!!!!
Todos, vivos e mortos, ainda tocam fundo no coração e na alma do psicanalista. E Não tem dia que ele lembre de cada um... e agradeça pelos 40 sábados vividos... Aquelas sábados purificaram de verdade seu coração cartesiano... e deixaram sua alma mais serena!
 
Fraterno abraço!
André   
 
    
    

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O Subterrâneo de minha Ignorância!

Eita coisa mais chata ter de ler e escutar toda a gama de bobagens depreciativas. Leio e escuto por ser um libertário e doido de doer pela democracia. Nem sempre respondo. Mas quando julgo que uma resposta pode ser produtiva, alimento o debate.
Me explico:
Dia desses em um de meus artigos, escrevi que a Psicanálise era parente próxima das artes e principalmente da literatura, e que o Freud era o principal defensor dessa ideia.
Então alguém usando de anonimato, desceu o cacete na minha "ignorância", dizendo que o Freud era um egocêntrico que odiava toda manifestação cultural e humana  que não fosse de sua própria lavra.
Então tá!!!
Não sei se devo citar o Freud referindo-se à Gestapo ou se cito o técnico da seleção da Croácia referindo-se ao árbrito japonês.
Deixamos o momento futebolísco de lado né??? Vou citar o Freud... risos.
Então senhor ou senhora anônimo(a) faço as seguintes ponderações às suas considerações ao meu artigo:
Há uma notícia que Freud não suportava ouvir música nos seus momentos de crises de dor produzidas pelo câncer.
Eu não sei se eu iria querer escutar música depois de sofrer dores terríveis por dezesseis anos e ainda suportar o desconforto permanente de uma prótese (que ele chamava de O monstro) que separava a boca da cavidade nasal. Na mesma época que Freud supostamente fez essa declaração sobre a música ele escreve a Lou Andreas-Salomé:
 
"Aqui está uma pessoa que, em vez de trabalhar duro até a velhice e então morrer sem preliminares, contrai uma doença horrível na idade madura, tem de ser tratada eoperada, dissipa seu dinheirinho ganho com sacrifício, gera e desfruta descontentamento e, em seguida, arrasta-se por aí indefinidamente como um inválido." ( Carta de 1924)
 
Freud sabia que a extraordinária perscrutação da alma humana realizada pela literatura não tinha par e sorveu tudo o que pôde das obras e autores que admirava. A ciência psicanalítica nascia SIM como irmã mais nova da literatura e com ela conversava intimamente, diante dos grandes impasses e dilemas com os quais se deparava enquanto crescia.
Valei-me meus santos professores Edson Sousa e Paulo Endo em seu Sigmund Freud - Ciência, arte e política (coleção L&PM de 2009) que citam o que Freud disse sobre o tema:
 
"Os autores literários são valiosos colegas, e seu testemunho deve ser levado em alta conta, porque têm como conhecer muitas das coisas entre o céu e a terra que não são sonhadas em nossa filosofia. No conhecimento do coração humano estão muito adiante de nós, pessoas comuns, porque se valem de fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência."
 
Então, dito isso senhor(a) anônimo(a), me recolho ao subterrâneo de minha "ignorância" desejando também à ti um...
 
Fraterno abraço
André
 
P.S.: Vai torcer pra Argentina chato(a)!!!!! risos....
 
 
 
 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Velho (mas nem tanto) Aventureiro!

Somente depois que ele se manifestou pela primeira vez é que alguém por fim, sentenciou: Existe vida!
Foi ele que tremeu diante das primitivas emoções.
Foi e é ele que quem tremeu e treme diante das emoções secundárias.
Ele quase explodiu quando se apaixonou pela primeira bicicleta ou pela primeira namoradinha.
Ele vibrou quando leu Freud pela primeira vez e se perturba ainda hoje quando lê o Mal Estar na Cultura que considera um dos mais perturbadores ensaios jamais escritos no que diz respeito ao desenvolvimento cultural da humanidade.
Ele se preocupa quando pensa que ao investigar porque o ser humano é tão pouco dotado para ser e permanecer feliz, Freud revela que um dos principais e invencíveis obstáculos à felicidade é a consituição psíquica do homem. E ele quase sangra quando percebe que Freud examinou de perto, lançando mão de ferramentas psicanalíticas, o processo de desenvolvimento cultural necessário para que as pessoas possam viver em sociedade. E ele inexoravelmente sangra quando conclui que não só a civilização, mas a própria cultura humana implicam uma diminuição na felicidade dos indivíduos, tendo como subproduto um inalienável e generalizado sentimento de culpa.
Alguns acreditam que ele é duro como pedra. Ele prefere se definir como cartesiano e tal qual Descartes postula a ideia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida humana e que a apreciação racional deveria ser o parâmetro para todas as coisas, numa atividade libertadora, voltada contra qualquer dogmatismo, considerando que acredita que "espírito", "alma" e "razão" significam a mesma coisa.
E é ele que sangra quando pensa na falta de condições de saúde, nutrição e segurança de seu povo.
Mas ele também vai vibrar com a seleção brasileira que daqui a pouco entra em campo na nossa copa do mundo de futebol.
Há quem diga que ele está acabado. Ele discorda e me pede para que mostre sua cara nesse artigo.
Apresento assim... meu coração!
 
Fraterno abraço!
André
 
P.S.: Sei dos detalhes sórdicos e os estou tratando, portanto, se por acaso algum cardiologista ler isso, poupe a mim e aos leitores desses detalhes... risos!!!!!   
 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

A Cidade Morena de minhas fantasias!

Eu lembro que era muito menino. Mas menino mesmo... nao mais de seis anos. Sempre tive uma faísca adiantada e entrei pra escola com apenas cinco anos e já alfabetizado. Então foi aos seis anos que li meu primeiro livro. Não lembro o título nem o autor, mas lembro em detalhes daquela minha primeira viagem ao mundo da fantasia, da arte e dos sonhos. Meus (e de tantos) mestres Freud e Lacan eram uníssonos em dizer que a Psicanálise era filha mais nova da nobre arte que era a literatura. Vou morrer agradecendo a minha mãe leitora obssessiva e minha irmã competente professora, por ter amado a literatura desde tenra idade.
Mas foi naquele primeiro livro que tive o primeiro contato com a bela Cidade Morena! Mas na verdade a história do livro não passava nem perto da cidade, pois tratava-se de uma aventura vivida por um menino que em férias nas fazendas de seu avó, desbravava as matas do Mato Grosso do Sul. E ai fazia alusões à grande Campo Grande (a Cidade Morena) como referencial de cidade mais próxima de suas andanças...
E o tal menino narrava de como os índios da região lhe ensinavam os segredos e os mistérios da mata e como lidar com todas as nuances e adversidades do ambiente.
Mas o que mais marcou o André menino, foi uma narrativa do livro onde o protagonista  reproduzia a visão onde uma grande serpente engolia um indiozinho.
Por muito tempo, mesmo com os mais velhos falando das maravilhas dos pastos e da fertilidade das terras do Mato Grosso do Sul, meu imaginário correlacionava a região com a cultura indigena e com a monstruosa anaconda comendo um indiozinho.
Bem mais tarde fui conhecer a Cidade Morena de meus sonhos da infância promovidos pelo livro de aventura infantil.
E bebi da cristalina hospitalidade daquela terra que verte dos córregos Prosa e Segredo e que espraia-se pelas ruas e pelas almas de Campo Grande.
Bem mais tarde, psicanalista veterano já e calouro do curso de Direito minha verve libertária me aproximou de Campo Grande novamente.
Me explico: Entre o fim da década de 90 e início dos anos 2000, muito por minha admiração à Filosofia do Direito e nada por pretensão de ser um jurista, estudei a nobre disciplina de Cícero.
E lembro que em todos os meus trabalhos e estudos eu buscava recursos e inspiração nas jurisprudências produzidas pela Justiça do Mato Grosso do Sul. Então um dia, um estimado professor e competente Juiz de Direito me questionou sobre o evento e eu respondi:
 
- Prezado Doutor! Apesar de estar encantado com a Filosofia do Direito, não é segredo que sou Psicanalista e jamais serei outra coisa. Também não é segredo que tenho tatuado no braço direito o Brasão do Rio Grande do Sul com as palavras LIBERDADE, IGUALDADE E HUMANIDADE... e que a mais me toca, por ser psicanalista que lida com a dor humana, e por acreditar nas outras duas, é a HUMANIDADE. E, meu prezado professor e meritíssimo juiz, ao meu juízo, são nas decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, é que vejo mais intensidade no quesito Humanidade e faço daquelas minhas palavras em meus trabalhos.  
 
Tempos depois, a faculdade promoveu um seminário e um dos participantes era um Desembargador da Justiça do MS (pena que não guardei o nome)  que foi informado pelo meu amigo professor de minha preferência e de minha teoria. O velho jurista me encarou simpaticamente e depois de manifestar satisfação sentenciou:
 
- Prezado aluno: Na nossa atividade, devemos sempre escolher os caminhos do Direito e da Justiça. Mas se tivermos de escolher entre um dos dois, devemos escolher sempre o da JUSTIÇA. Só ela nos faz agir com HUMANIDADE.
 
O Freud já disse que o acaso não existe. E acho que não por acaso, a bela Campo Grande, a Cidade Morena de meus sonhos infantis, faz aniversário no dia 13 de junho que é Dia de Santo Antonio de Pádua.
Não é segredo que apesar de ver anjos nada sei de santos e seus dogmas. Mas sei que Fernando de Pádua ( Nome de batismo do Santo Antônio) foi considerado o Doutor da Igreja e referenciava-se em clássicos como Plínio, Sêneca, Cícero, Boécio, Aristóteles e Galeno. E sei que São Boaventura dizia que ele possuia a ciência dos anjos.
Em breve estarei em Campo Grande para o laçamento de meu próximo livro.
E quero voltar a beber a hospitalidade daquele povo.
E quero passear pela Praça Ary Coelho compartilhando um tereré amigo.
E quero me resfolegar com um nhoque de mandioca com molho de carne seca.
E quero sobretudo voltar de lá, banhado pela humanidade daquela gente.
 
Fraterno abraço!
André