sábado, 5 de setembro de 2009

Os erros do "SUPOSTO" saber!

A prática da psicanálise clínica tem me feito muito bem nestes mais de 9 anos de dedicação exclusiva. A escuta analítica, além de ser terapêutica, e via de regra destinada ao benefício do paciente na compreensão de seus conflitos, pelo menos no meu caso, ajuda ao próprio analista na reformulação de seus conflitos pessoais. Explico:
Em 2004, quando criamos (eu e meu sócio) a Clínica Psicanalítica, mais do que estabelecer uma empresa, entramos de cabeça num projeto que nasceu de um ideal visto por muitos, como um delírio de dois doidos perdulários. Um delírio lindo, mas ainda assim um delírio.
Tínhamos a pretensão de levar a opção do tratamento psicanalítico à todos aqueles que jamais teriam acesso uma vez que a Psicanálise, sempre foi uma prática destinada às elites, e no nosso projeto, teríamos condições de atender todas as camadas sociais, mesmo aquelas com dificuldades até para acessar o mais básico dos serviços de saúde.
E nosso delírio materializou-se. E daí.... surge a explicação de como a prática clínica ajudou-me a melhorar até mesmo minha capacidade de ouvir. Ou seja, aprendi com pacientes a ser melhor no meu ofício.
Começamos atender funcionários de uma instituição financeira (um dos maiores bancos do país), e nosso serviço alcançava à todos. Do presidente ao responsável pela limpeza. E foi assim que surgiu a Maria (nome obviamente fictício) na minha vida, e de paciente a mestre, me fez ver o quanto eu era babaca e preconceituoso antes dela ocupar meu divã.
Maria, que laborava fazendo cafés e faxinas, chegou no consultório cheia de demandas. Seu marido não era carinhoso e ficava mais tempo no bar do que efetivando e afetivando o casamento de quase 30 anos. E ela falou:
- " Doutor...pro senhor ter ideia, no final de semana, fomos pra praia numa excursão  do pessoal do banco. Ficamos naquele camping ali da praia da Guarita e tudo estava legal até quando ele descobriu que no meio do terreno tinha uma bodega que servia caipirinha a 1 real... e se mandou a la cria!
Fiz um carreteirinho com carinho, pimenta e salsa, como ele gostava, e cheguei até a queimar o braço naquele liquinho que só dava pra uma panela, e ao meio dia mandei meu mais novo ir buscar o pai no boteco. E mandei mais 3 vezes... todos os filhos... primeiro mandei o Maicon, depois o Uóchinton, e por último mandei a pobrezinha da Jenifer... E o danado não veio.
O carreteiro secou... o arroz empapou... e fiquei ali na frente da barraca brincando com as crianças até que ele resolvesse vir e nos levar para o banho de mar. Ate que veio. Veio e assim que chegou eu falei. Na verdade comecei a xingar, porque afinal, achei injusto comigo e as crianças que ele ficasse no boteco ao invés de estarmos na beira da água, naquela beleza de Torres. Sabe o que o desaforado fez doutor???? Deu uma risadinha e me jogou a bóia!!!! Pode isso?????"
Do alto de meu "saber", tirei os óculos e pedantemente (herança de Lacan???) fiz a intervenção incentivando questionamentos:
-" Mas dona Maria... quem sabe a senhora não exagerou? Não creio que seu marido lhe desagravou nem ofendeu... Vocês estavam na praia, relaxados... brincando na frente da barraca. Eu acho que ele queria entrar na brincadeira, e sorridente lhe jogou a bóia convidando-lhe assim para irem para o mar... Beira de praia tem tudo a ver com bóia, bola, etc... "
Maria levantou-se bruscamente do divã.... puxou a calça até a altura do joelho e me mostrou um corte na altura da canela, e sentenciou gritando:
-" DOUTOR!!! NÃO VÊ QUE ELE ME ATIROU A PANELA DE BÓIA????? A PANELA DO RICO CARRETEIRINHO QUE EU FIZ PRO SAFADO?????!!!!!"
Obrigado e perdão Dona Maria... me ensinaste que para ajudar na dissolução dos conflitos, o psicanalista deve despir-se de seu suposto saber, e saber sim,  ouvir todas as linguagens. Principalmente daqueles que sofrem, e por não terem a voz dita como convencional, não são ouvidos na sua essência.     
Fraterno abraço
André  
     
    

7 comentários:

  1. É meu caro escritor... "a minha linguagem é o limite do mundo" já disse o filÓsofo Wittgeinstein...
    TEMOS QUE TER NOÇÃO, PELO MENOS, DE TODAS AS LINGUAGENS......RSRRSRSRS
    PARABÉNS!!!!!!!!!! ADORO TEUS TEXTOS, SEMPRE MUITO BEM ARTICULADOS.
    ABRAÇOS.ADRIANA

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  2. A PROPÓSITO... POSSO UTILIZAR COM MEUS ALUNOS ESSE TEU TRABALHO??? AUTORIZE-ME POR FAVOR. AGRADEÇO. ADRIANA.

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  3. Ok, Vamos fazer de conta que faxineiras frequentam seu consultório! Mas foi um belo texto....

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  4. Faltou ao anômino acima, ler o texto com mais atenção... o articulista foi muito feliz ao mensionar (ou inventar )de que maneira uma faxineira tem a oportunidade de deitar em seu divã.... boa, muito boa sugestão...Adriana.

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  5. Alguns leitores apenas leem e concordam com tudo...Falta-lhes o senso crítico ou até mesmo coragem para discordar do texto..Ok,ok, tudo bem!
    Obs. Mencionar é com "C".

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  6. Nãnãnãnãnã.... fiquei tão cheia de vontade de escrever que até tropecei na gramática... que feio....imperdoável!!!!!!!!!....rarrararararar Obrigada,seja quem for o anônimo que postou... Adriana.

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  7. por que nao fazer um comentario como este,sim todos somos filhos de Deus,sendo assim qual a pessoa que nao tera direito de deitar a um divã.
    Pode ser ela uma faxineira ,empregada,ou até uma prostituta. nosso dinheiro é igual e nao tem diferensa no tocar ,um forte abraço.

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