Repasso aos leitores do blog, um texto que escrevi em maio para um jornal comunitário da cidade de Rio Pardo.
Parabéns ao jornalista Cícero, responsável pelo jornal Fato, e conte sempre comigo, sobretudo na campanha contra o Crack.
OS ESCRAVOS DA PEDRA DESCENDO A LADEIRA
Me lembro como se fosse hoje, de um tempo muito distante quando conheci Rio Pardo.
Chegávamos eu e meu avô, cria da terra, num grande carro preto. O carro era imenso. Me lembro que menino (mas bem menino mesmo) eu precisava ficar de pé sobre o banco do carro preto pra conseguir ver a cidade.
Meu avô estava radiante mostrando pra seu neto mais novo, a sua velha Rio Pardo.
Percorremos o centro, e ele me falava orgulhoso dos prédios... “ aqui era a escola militar... alí a prefeitura... e aqui o vô nasceu André!”
Estávamos hospedados na prainha do Porto Ferreira, mas meu velho fez questão de me levar pra conhecer sua cidade, e naquela tarde de verão, eu vi a noiva da igreja de São Francisco, e comi pastel lá embaixo na praia dos Ingazeiros onde mergulhei e provavelmente bebi das águas rio-pardenses.
Tudo isso estava escondido no meu inconsciente, lá naquele lugarzinho onde a gente esconde as coisas mais maravilhosas de nossa infância. As mais maravilhosas e as mais terríveis também. E lá, naquele lugar, também estava uma coisa que me fez perder o sono na época.
Lembro meu avô me mostrando a Rua da Ladeira. E ele me contava que a Rua da Ladeira foi calçada por escravos e que estes, amargaram chuva, frio, calor e o açoite do feitor, para que o imperador pisasse nas pedras ao invés de ter suas botas de pelica inglesa enlameadas.
Acho que meu avô teatralizou um pouco a história, mas o fato é que naquela noite, perdi o sono pensando naqueles pobres diabos carregando e se acabando no meio daquelas pedras.
Mas... são quase duzentos anos, e afinal os escravos não existem mais pelas ruas de Rio Pardo.
Ou Não????
Infelizmente acho que não...
Pelo que sei, ainda existem escravos em Rio Pardo, irmãos de outros escravos que habitam o Brasil e o mundo de norte a sul.
E estes, também são escravizados pelo peso e pela dor que pode causar uma pedra.
A pedra que escraviza hoje, não tem o mesmo peso e não serve para perenizar a história.
Os escravos de hoje, vivem em torno da pedra de crack que açoita mais do que o chicote do feitor de dois séculos atrás.
O feitor de hoje, é chamado de “soldado da boca”, e acho que ele é o mais inclemente dos feitores, que acompanhado de seu colega, o capitão do mato, hoje conhecido como “gerente da boca”, trabalha para o bem estar do imperador, hoje conhecido como traficante ou “dono da boca”.
Para o imperador traficante, pouco importa se as calçadas onde ele pisa sejam alicerçadas em vidas de pais, mães, e de toda sociedade enfim.
O imperador caminha altivo. Como se dono fosse. Rei e senhor de seu tempo. Pisando em vidas mortas e que quando vivas, eram os escravos da pedra nem tão branca assim.
O que mais me admira, é o fato de que as coisas são muito parecidas.
Ainda hoje, nós ficamos ali, olhando o imperador passar por cima de tudo o que construímos e alguns de nós até aplaudem.
Ele passa esmagando nossos filhos, nossos amigos e nossas esperanças, e nós ficamos parados, como que engasgados no sangue de nossos escravos da pedra maldita.
Enfim... que saudade do tempo em que eu perdia o sono pensando nos pretos que calçaram a Ladeira para Dom Pedro Passar.
André Lacerda
Psicanalista
Me lembro como se fosse hoje, de um tempo muito distante quando conheci Rio Pardo.
Chegávamos eu e meu avô, cria da terra, num grande carro preto. O carro era imenso. Me lembro que menino (mas bem menino mesmo) eu precisava ficar de pé sobre o banco do carro preto pra conseguir ver a cidade.
Meu avô estava radiante mostrando pra seu neto mais novo, a sua velha Rio Pardo.
Percorremos o centro, e ele me falava orgulhoso dos prédios... “ aqui era a escola militar... alí a prefeitura... e aqui o vô nasceu André!”
Estávamos hospedados na prainha do Porto Ferreira, mas meu velho fez questão de me levar pra conhecer sua cidade, e naquela tarde de verão, eu vi a noiva da igreja de São Francisco, e comi pastel lá embaixo na praia dos Ingazeiros onde mergulhei e provavelmente bebi das águas rio-pardenses.
Tudo isso estava escondido no meu inconsciente, lá naquele lugarzinho onde a gente esconde as coisas mais maravilhosas de nossa infância. As mais maravilhosas e as mais terríveis também. E lá, naquele lugar, também estava uma coisa que me fez perder o sono na época.
Lembro meu avô me mostrando a Rua da Ladeira. E ele me contava que a Rua da Ladeira foi calçada por escravos e que estes, amargaram chuva, frio, calor e o açoite do feitor, para que o imperador pisasse nas pedras ao invés de ter suas botas de pelica inglesa enlameadas.
Acho que meu avô teatralizou um pouco a história, mas o fato é que naquela noite, perdi o sono pensando naqueles pobres diabos carregando e se acabando no meio daquelas pedras.
Mas... são quase duzentos anos, e afinal os escravos não existem mais pelas ruas de Rio Pardo.
Ou Não????
Infelizmente acho que não...
Pelo que sei, ainda existem escravos em Rio Pardo, irmãos de outros escravos que habitam o Brasil e o mundo de norte a sul.
E estes, também são escravizados pelo peso e pela dor que pode causar uma pedra.
A pedra que escraviza hoje, não tem o mesmo peso e não serve para perenizar a história.
Os escravos de hoje, vivem em torno da pedra de crack que açoita mais do que o chicote do feitor de dois séculos atrás.
O feitor de hoje, é chamado de “soldado da boca”, e acho que ele é o mais inclemente dos feitores, que acompanhado de seu colega, o capitão do mato, hoje conhecido como “gerente da boca”, trabalha para o bem estar do imperador, hoje conhecido como traficante ou “dono da boca”.
Para o imperador traficante, pouco importa se as calçadas onde ele pisa sejam alicerçadas em vidas de pais, mães, e de toda sociedade enfim.
O imperador caminha altivo. Como se dono fosse. Rei e senhor de seu tempo. Pisando em vidas mortas e que quando vivas, eram os escravos da pedra nem tão branca assim.
O que mais me admira, é o fato de que as coisas são muito parecidas.
Ainda hoje, nós ficamos ali, olhando o imperador passar por cima de tudo o que construímos e alguns de nós até aplaudem.
Ele passa esmagando nossos filhos, nossos amigos e nossas esperanças, e nós ficamos parados, como que engasgados no sangue de nossos escravos da pedra maldita.
Enfim... que saudade do tempo em que eu perdia o sono pensando nos pretos que calçaram a Ladeira para Dom Pedro Passar.
André Lacerda
Psicanalista
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