Aconteceu algum tempo atrás.
Não vou citar nomes nem de pessoas nem de instituições. Os motivos são óbvios.
O psicanalista não europeu e nem norte americano, curiosamente é convidado pra ministrar palestra num seminário de psiquiatria e neurologia num respeitado centro de referencia na progressista cidade de Boston no Estados Unidos.
Surpreso, viu o programa do tal seminário. Dezenas de neurocirurgiões, neurologistas e quase duas centenas de psiquiatras. Só ele de psicanalista. Tremeu. Seria devorado.
Percebeu a sacanagem quando viu o contrato. Eram treze palestrantes. neurocirurgiões, neurologistas, psiquiatras e ele - psicanalista. O cachê dele estava estampado no contrato. Era menos da metade que os outros receberiam. Percebeu a sacanagem.
Mas pateta (como era chamado pelos corredores sussurrantes) não era tão ingênuo quanto imaginavam os organizadores do tal seminário.
Adolescente, tinha sofrido com a família os rigores cruéis de uma das terríveis ditaduras da Latino América. Tinha sido exilado e sofreu (pouco mas sofreu) o horror do preconceito europeu para com os latinos. Mas aprendeu novos idiomas e novas formas de cultura e principalmente foi iniciado na ciência de Freud. Na origem.
Tinha experiência clínica e gostava de estudar. E era meio pedante. Sorriu. Resolveu encarar pensando que o certificado do seminário serviria de troféu e provavelmente faria piada no seu círculo psicanalítico.
Confirmou a sacanagem premeditada logo na entrada do prédio onde seria o seminário. Tinha uma faixa escrita identificando o seminário. Na faixa estava identificada a instituição promotora do evento ( em letra pequenas) e uma frase específica (em letras garrafais e em caixa alta):
FREUD´S DEAD! ou seja: FREUD ESTÁ MORTO!
Chocou-se com a maldade. Afinal, ele seria o primeiro palestrante e falaria sobre a formação do inconsciente à luz da psicanálise. Com certeza seria ridicularizado nas 48 horas restantes e provavelmente no final de tudo seria assado ao forno com uma maçã na boca.
Coração limpo e alma serena, ajustou o nó da gravata italiana sob a gola da camisa branca Prada, abotoou o blazer da Buberrys, pigarreou e subiu ao púlpito, e tascou latinamente (mas falando um inglês digno de Churchil):
"Saúdo a todos os senhores doutores participantes do II seminário da ....(omito aqui o nome da instituição), e agradeço a honra que me está sendo concedida. Agradeço em meu nome e em nome de um morto. E como represento um morto, penso que eu não existo, assim como não existe a ciência que eu represento. Assim sendo, na última hora resolvi honrar os honorários que me foram pagos falando não de minha ciência inexistente, mas de técnicas que impulsionam essa maior potência econômica e militar do planeta e que tão generosamente me acolhe.
Vou falar da publicidade e da propaganda.
Os dignos doutos sabem que 90 % das ações de marketing desencadeadas no mundo são baseadas no perfil do modelo estado unidense???
E sabem que destes 90%, 80% são dirigidas ao público infantil????
E sabem porque???
Porque os especialistas sabem que crianças compram. Crianças compram automóveis, casas, roupas de grife e até preservativos. As crianças impulsionam os adultos às compras.
E sabem porque?
Porque os publicitários e financistas sabem que as crianças tem desejos."
O silêncio assombrou o salão onde isso acontecia. O psicanalista percebe o constrangimento gerado e prossegue:
"Mesmo morto, prezados doutores, Freud ainda é uma das personagens mais intrigantes e polêmicas do mundo moderno. Inclusive sua morte é anunciada no portal deste grande centro de referência médica.
Muitos falam dele, mas nem todos sabem quem realmente ele foi e qual sua contribuição para a vida e o pensamento humanos. Dizem que descobriu "algo relacionado com sexo" e com "a cabeça das pessoas" - a Psicanálise.
Não me espanta que Freud continue a causar escândalo e incompreensão. A própria ciência que criou - a Psicanálise - sempre foi um escândalo, em mais de um sentido. Onde já se viu dizer que o Homem não é dono de sua própria casa, isto é, de sua mente? Como é possível provar que a consciência que todos nós acreditamos possuir não governa necessariamente nossas vidas e nem é dirigida do modo mais racional e sensato como preferimos crer? Não será ousadia demais afirmar, como ele fez, que as crianças não são sem sexualidade nem que suas almas não estariam apenas povoadas de serenidades? Maldito Freud e os publicitários! Que absurdo é esse que Freud chamou de inconsciente, que não tem lógica, nem pé, nem cabeça e nunca terá?
Um escândalo. Um "judeu vienense", acusado de sensual e visionário pelos seus colegas cientistas, abalou os conhecimentos e as ciências do Homem de modo irreversível, a ponto de nada mais ser como era antes dele. Hoje sabemos que a primeira barreira que se levantou contra Freud, a da moral dita "saudável", foi apenas a fachada de enormes muralhas da resistência a um conhecimento revolucionário, inquietante e perturbador. O que se temia não era só o abalo da repressão sexual que a Psicanálise inevitavelmente traria, mas também e, talvez, principalmente a insegurança provocada em toda a cultura e em todos os saberes estabelecidos.
O que há de incômodo em Freud e na Psicanálise e que romperam com as certezas que forneciam aos homens a ilusão da verdade pronta e acabada. A "peste" que Freud trouxe ao nosso tempo é a da humildade diante do inesperado, do desconhecido e das limitações daquilo que acreditamos saber.
Ao contrário dos que viam os doentes mentais como seres sem recuperação, Freud dá uma mensagem humana e compreensiva das pessoas que eram antes condenadas. Também ofereceu o instrumento de crescimento e de entendimento que abre perspectivas para a saúde mental, individual e coletiva."
Silêncio cada vez mais sepulcral e rostos suados no seminário de Psiquiatria e Neurologia de Boston.
O psicanalista tira do bolso interno do blazer o cheque de seus honorários e rasga. Deixa duas partes do cheque sobre o púlpito e finaliza:
" Esse papel, pode servir de ignição para ascender a fogueira que serei queimado nos próximos dias. Como estou morto, não sentirei dores. E como estou morto, nos encontraremos no inferno. Felicidades à todos, e bom seminário. Até um dia doutores!"
E sai... assoviando uma milonga argentina... risos
Fraterno abraço
André
Não vou citar nomes nem de pessoas nem de instituições. Os motivos são óbvios.
O psicanalista não europeu e nem norte americano, curiosamente é convidado pra ministrar palestra num seminário de psiquiatria e neurologia num respeitado centro de referencia na progressista cidade de Boston no Estados Unidos.
Surpreso, viu o programa do tal seminário. Dezenas de neurocirurgiões, neurologistas e quase duas centenas de psiquiatras. Só ele de psicanalista. Tremeu. Seria devorado.
Percebeu a sacanagem quando viu o contrato. Eram treze palestrantes. neurocirurgiões, neurologistas, psiquiatras e ele - psicanalista. O cachê dele estava estampado no contrato. Era menos da metade que os outros receberiam. Percebeu a sacanagem.
Mas pateta (como era chamado pelos corredores sussurrantes) não era tão ingênuo quanto imaginavam os organizadores do tal seminário.
Adolescente, tinha sofrido com a família os rigores cruéis de uma das terríveis ditaduras da Latino América. Tinha sido exilado e sofreu (pouco mas sofreu) o horror do preconceito europeu para com os latinos. Mas aprendeu novos idiomas e novas formas de cultura e principalmente foi iniciado na ciência de Freud. Na origem.
Tinha experiência clínica e gostava de estudar. E era meio pedante. Sorriu. Resolveu encarar pensando que o certificado do seminário serviria de troféu e provavelmente faria piada no seu círculo psicanalítico.
Confirmou a sacanagem premeditada logo na entrada do prédio onde seria o seminário. Tinha uma faixa escrita identificando o seminário. Na faixa estava identificada a instituição promotora do evento ( em letra pequenas) e uma frase específica (em letras garrafais e em caixa alta):
FREUD´S DEAD! ou seja: FREUD ESTÁ MORTO!
Chocou-se com a maldade. Afinal, ele seria o primeiro palestrante e falaria sobre a formação do inconsciente à luz da psicanálise. Com certeza seria ridicularizado nas 48 horas restantes e provavelmente no final de tudo seria assado ao forno com uma maçã na boca.
Coração limpo e alma serena, ajustou o nó da gravata italiana sob a gola da camisa branca Prada, abotoou o blazer da Buberrys, pigarreou e subiu ao púlpito, e tascou latinamente (mas falando um inglês digno de Churchil):
"Saúdo a todos os senhores doutores participantes do II seminário da ....(omito aqui o nome da instituição), e agradeço a honra que me está sendo concedida. Agradeço em meu nome e em nome de um morto. E como represento um morto, penso que eu não existo, assim como não existe a ciência que eu represento. Assim sendo, na última hora resolvi honrar os honorários que me foram pagos falando não de minha ciência inexistente, mas de técnicas que impulsionam essa maior potência econômica e militar do planeta e que tão generosamente me acolhe.
Vou falar da publicidade e da propaganda.
Os dignos doutos sabem que 90 % das ações de marketing desencadeadas no mundo são baseadas no perfil do modelo estado unidense???
E sabem que destes 90%, 80% são dirigidas ao público infantil????
E sabem porque???
Porque os especialistas sabem que crianças compram. Crianças compram automóveis, casas, roupas de grife e até preservativos. As crianças impulsionam os adultos às compras.
E sabem porque?
Porque os publicitários e financistas sabem que as crianças tem desejos."
O silêncio assombrou o salão onde isso acontecia. O psicanalista percebe o constrangimento gerado e prossegue:
"Mesmo morto, prezados doutores, Freud ainda é uma das personagens mais intrigantes e polêmicas do mundo moderno. Inclusive sua morte é anunciada no portal deste grande centro de referência médica.
Muitos falam dele, mas nem todos sabem quem realmente ele foi e qual sua contribuição para a vida e o pensamento humanos. Dizem que descobriu "algo relacionado com sexo" e com "a cabeça das pessoas" - a Psicanálise.
Não me espanta que Freud continue a causar escândalo e incompreensão. A própria ciência que criou - a Psicanálise - sempre foi um escândalo, em mais de um sentido. Onde já se viu dizer que o Homem não é dono de sua própria casa, isto é, de sua mente? Como é possível provar que a consciência que todos nós acreditamos possuir não governa necessariamente nossas vidas e nem é dirigida do modo mais racional e sensato como preferimos crer? Não será ousadia demais afirmar, como ele fez, que as crianças não são sem sexualidade nem que suas almas não estariam apenas povoadas de serenidades? Maldito Freud e os publicitários! Que absurdo é esse que Freud chamou de inconsciente, que não tem lógica, nem pé, nem cabeça e nunca terá?
Um escândalo. Um "judeu vienense", acusado de sensual e visionário pelos seus colegas cientistas, abalou os conhecimentos e as ciências do Homem de modo irreversível, a ponto de nada mais ser como era antes dele. Hoje sabemos que a primeira barreira que se levantou contra Freud, a da moral dita "saudável", foi apenas a fachada de enormes muralhas da resistência a um conhecimento revolucionário, inquietante e perturbador. O que se temia não era só o abalo da repressão sexual que a Psicanálise inevitavelmente traria, mas também e, talvez, principalmente a insegurança provocada em toda a cultura e em todos os saberes estabelecidos.
O que há de incômodo em Freud e na Psicanálise e que romperam com as certezas que forneciam aos homens a ilusão da verdade pronta e acabada. A "peste" que Freud trouxe ao nosso tempo é a da humildade diante do inesperado, do desconhecido e das limitações daquilo que acreditamos saber.
Ao contrário dos que viam os doentes mentais como seres sem recuperação, Freud dá uma mensagem humana e compreensiva das pessoas que eram antes condenadas. Também ofereceu o instrumento de crescimento e de entendimento que abre perspectivas para a saúde mental, individual e coletiva."
Silêncio cada vez mais sepulcral e rostos suados no seminário de Psiquiatria e Neurologia de Boston.
O psicanalista tira do bolso interno do blazer o cheque de seus honorários e rasga. Deixa duas partes do cheque sobre o púlpito e finaliza:
" Esse papel, pode servir de ignição para ascender a fogueira que serei queimado nos próximos dias. Como estou morto, não sentirei dores. E como estou morto, nos encontraremos no inferno. Felicidades à todos, e bom seminário. Até um dia doutores!"
E sai... assoviando uma milonga argentina... risos
Fraterno abraço
André
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