Confesso: eu tinha um plano quando comecei a escrever essa série sobre a técnica psicanalítica onde já abordei a transferência e pretendo encerrar hoje com os temas propostos no título da presente publicação.
Tenho visto muita gente falar de Lacan referindo-se à frases soltas, à ditos chamativos tirados aleatoriamente do conjunto da obra, e que sei ficam "atraentes" numa expressão solitária e acompanhada de uma bela imagem tirada do Google. Acho legal isso (também!). Contudo, planejei nesta série que hoje termino, compartilhar um pouco mais aprofundadamente os ensinamentos de Lacan. Espero ter conseguido.
Então... segue o baile!!!!
Até aqui, desenvolvi o ensinamento de Lacan em suas formulações acerca da origem da transferência, enquanto expressão da ordem significante. Devemos, agora, considerar o papel que tem, na relação intersubjetiva, estabelecida entre paciente e analista, a relação que também se move no registro imaginário.
No capítulo XVIII do seminário Les quatre concepts fondamentaux de la psychoanalyse, Lacan estuda a fenomenologia da transferência, propondo que ela se baseia na existência do SUJEITO SUPOSTO SABER.
Quando um indivíduo se dirige a outro, colocado no lugar do Sujeito Suposto Saber, a transferência está bem fundamentada.
Diz Lacan no seminário citado:
"...a psicanálise nos mostra, sobretudo na fase da partida, que o que mais limita a confiança do paciente, sua entrega à regra analítica, é a ameaça de que o psicanalista seja enganado por ele."
O paciente retém certos elementos, para que o analista não vá depressa demais. Segue o mestre:
"... Em torno deste enganar-se, que alberga a balança, o equilíbrio, deste ponto sutil, infinitesimal, que quero acentuar. O sujeito sabe que não querer desejar possui, em si, algo tão irrefutável como uma fita de Moebius (figura ilustrativa no final do texto) que não tem avesso, isto é, que, ao percorrê-la, chegar-se-á, matematicamente, ao lado que se julgava o oposto."
É neste ponto de encontro que o analista é esperado. Como o analista supõe-se que saiba, também se supõe que venha ao encontro do desejo inconsciente. Neste ponto se articula a transferência.
O aspecto como com o paciente é, precisamente, o desejo do analista. Recordemos, além disso, que o desejo do homem é o desejo do Outro.
Pergunta Lacan:
"...Se somente no nível do desejo do Outro o homem pode reconhecer seu desejo, enquanto desejo do Outro, não ocorreria nele algo, que deve lhe parecer obstaculizar seu desvanecimento, que é um ponto no qual seu desejo nunca pode ser reconhecido?"
Reitero que o sujeito está alienado na ordem significante. Porém, a alienação está essencialmente vinculada ao par de significantes, Não é a mesma coisa, haver dois ou haver três. Quando há dois, um dos termos fica eclipsado, e isto, essencialmente, constitui a alienação. Quando há três, pode se estabelecer uma relação circular entre eles.
Devemos, agora, nos perguntar que é, para Lacan, o objetivo último da análise. O que é proposto com sua técnica, já que renuncia a utilização da interpretação transferencial para seus fins. Procuro esclarecê-lo. Sua perspectiva, eminentemente estruturalista e linguística, portanto articula seus fins terapêuticos com consonância com o enfoque, a partir do qual é definido o sujeito e o inconsciente.
No seminário mencionado, Lacan diz que, assim como Descartes introduziu o sujeito no mundo, Freud disse ao sujeito que onde estava o sonho, era onde era ele mesmo.
A frase freudiana " WO es war, soll ich werden" não significa, como geralmente se traduz, que o ego deve desalojar o id. Quer dizer que onde isso ( rede de significante) estiver, está o sujeito. "Isso" é a rede de significantes, o inconsciente, o sonho. Diz Lacan: " Mas o sujeito está ali para se encontrar de novo, ali aonde era - antecipo - o real."
Dos escritos de Freud, em particular da carta 52 a Fliess, pode-se deduzir que, de forma latente, Freud já tinha notado que a rede não pode ser constituída ao acaso. " Os significantes não puderam se constituir simultaneamente, mas devido a uma estrutura muito definida da diacronia constituinte. A diacronia é orientada pela estrutura."
O acesso a "PALAVRA PLENA" permite a estruturação do sujeito em sua verdade como tal. No seminário Les écrits techniques de Freud, Lacan diz:
" A palavra plena é aquela que indica, que forma a verdade, tal qual ela se estabelece no reconhecimento de um pelo outro. A palavra plena é a palavra que faz ato. Depois de sua emergência, um dos sujeitos já não é o que era antes. Por isso, esta dimensão não pode ser eludida na experiência analítica.
A experiência analítica convoca, portanto, a palavra plena. Esta aparece na hiância, nas dificuldades do discurso.
De resto, e finalizando, Lacan propõe sobretudo , não um afastamento, mas um RETORNO a Freud para resolver as contradições que surgem na experiência, considerar a questão das relações entre analisando e analista, no plano da economia narcisista do sujeito. Na sua opinião, a transferência é plurivalente, intervindo nos três registros: Imaginário, simbólico e real.
Espero que tenham gostado, e que meu plano tenha dado certo... risos...
Fraterno abraço!
André
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