Há exatos 12 meses, produzi um texto onde citava minha preocupação com o declínio econômico, cultural e social de uma cidade, que acabei apelidando de XYZ do Centro.
Eis o texto publicado aqui no blog, em 24 de setembro de 2009:
A Morte de Uma Cidade!
Hoje recebi um email de um amigo. Esse amigo, na minha opinião uma das mais brilhantes mentes e vozes que o Direito e a Justiça gaúcha tem, cada vez mais me chama a atenção pela sua sensibilidade e sobretudo pela maneira de demonstra-la.
Eis que, trocando idéias a cerca de uma cidade a qual ambos temos afeto especial, o grande advogado me escreve:
"Pois é, amigo André. XYZ do Centro (obviamente esse nome eu inventei porque vou propositalmente omitir o nome da cidade),hoje, é um vasto cemitério de pessoas vivas. Dormem, acordam, vestem-se, vão ao trabalho, mas é uma cidade de seres perdidos. Nada cresce, nada progride, apenas vegeta. Esta manhã, na rádio Gaúcha, ouvi informes sobre o tempo de mais de 50 cidades. Nem falaram de XYZ do Centro. Ficamos ilhados, esquecidos, perdemos a auto-estima, a vontade de progredir. Pobre XYZ! Não encontrei em nenhum lugar algo como o nosso ......(aqui o advogado cita um lindo monumento artístico que existe na praça matriz da cidade).Mas nem isso festejamos mais. Tristeza."
Depois de ler o email de meu amigo, fiquei pensando como pode uma cidade morrer ou deixar de viver, e lembrei que tempos atrás, outros dois amigos me falaram que XYZ do Centro, deveria ir para o Divã.
Naqueles tempos, escrevi algumas crônicas, mas os editores locais me censuraram dizendo que meu texto era elitista, e que somente meia dúzia de pessoas entenderiam meus escritos.
Joguei fora as mais de 10 crônicas, mas, gostando da idéia, escrevi a série "Porto Alegre no Divã", que aliás andei publicando aqui no ano passado e que ainda está à disposição de quem quiser ler.
Entretando, vou reproduzir algumas coisas que escrevi na época e que foram classificadas de elitistas, para que meu amigo citado e os demais leitores possam saber do porque na minha opinião uma cidade morre ou deixa de viver.
Acho que tudo se origina da falta de estima popular, uma vez que a massa que deveria evoluir se escraviza ao não poder, e aos vícios culturais de uma burguesia falida e há muito ultrapassada em seus conceitos de sociedade.
Noto que em XYZ, o jovem que quiser estar dentro do contexto da dita "alta sociedade local", só será aceito pela dita, se dirigir carro zero (de preferência com placa de Porto Alegre), gostar de péssima música que em volumes estratosféricos poluem toda a cidade, especialmente onde tenha Postos de Gasolina, e invariavelmente tem que ser da tribo daqueles adeptos do famigerado "pó de reboco".
No passado, os jovens de XYZ sonhavam apenas em se tornarem sargentos do exército ou funcionários do Banco do Brasil.
Também vejo que o povo de XYZ, não se dá o devido respeito e acho que nem sabe da força que pode ter um povo que se forma a partir de sua cidadania.
Todos dão muita importância à questão de nomes. Por exemplo: Ouço dizer que XYZ, existem apenas 3 sobrenomes que são importantes, e o resto é pura vassalagem que segue a rotina conforme a vontade do senhor de cada um dos 3 feudos.
Corre a língua solta, que pela vontade dos senhores feudais locais, até bem pouco tempo atrás um ser extraordinário, mago, bruxo, sei lá, mandava em tudo. Ele detinha a chave do cofre do povo, mas só do cofre do povo, pois os cofres dos burgos dependiam de outras esferas, como o crédito rural do Banco do Brasil. Parece que até museu do além e aeroporto da ET o tal alcáide pretendia fazer.
Menos mal, que o mago se foi. Deixou o cofre do povo vazio. Mas se foi.
Em XYZ, existe uma forte aversão ao novo. Vejamos:
Nada funciona do meio dia até às 13.30. E depois das 20 horas, pouco se vê. E o que se vê não é legal, pois se vê andarilhos escravos do crack habitando as abandonadas praças, e alguns pedintes ambulantes que pensam num jeito de arrumar dinheiro pra também se tornarem escravos da pedra maldita.
Comércio aberto fim de semana???? Nem pensar!!! E se for decisão judicial, daremos um jeito de burla-la, afinal o domingo é sagrado pra se afogar na caña e sequer sonhar com um mundo melhor.
É verdade.... caríssimo Doutor. TRISTEZA.
Mas... ainda acredito que outros nomes vão aparecer ou se fazerem notar. Nomes que carreguem consigo os sobrenomes de LIBERDADE, IGUALDADE E HUMANIDADE, e que não sejam meros dizeres esquecidos numa sagrada bandeira que é desfraldada apenas nos 20 de setembro do alto de um cavalo cagão.
E que estes nomes germinem que nem erva daninha braba, e que depois de crescidos todos saibam que na verdade, são belas flores da campanha.
Fraterno abraço
André
Passado 1 ano... revelo que na verdade, XYZ do Centro refere-se à tradicional cidade de Cachoeira do Sul, outrora conhecida e reconhecida como Capital Nacional do Arroz, princesa dourada cujo resplendor era refletida nas águas do Rio Jacuí.
Acho que movido pelo “vício” clínico psicanalítico/sociológico/antropológico ( putz...peguei pesado..risos), pela neurose de entender, pelo delírio de querer saber e, sobretudo pelo desejo hipocratesiano de sempre consolar aos que sofrem, mesmo que não se possa amenizar a dor, resolvi me preocupar mais efetivamente com a cidade, e até porque tenho vivido mais em seu seio, mesmo que temporariamente.
Tal vontade originou-se com maior força, quando recebi um email de um amigo pessoal, filho de Cachoeira, homem de leis e com sensibilidade hiper aflorada que reproduzo abaixo:
"Pois é, amigo André. Cachoeira, hoje, é um vasto cemitério de pessoas vivas. Dormem, acordam, vestem-se, vão ao trabalho, mas é uma cidade de seres perdidos. Nada cresce ; nada progride, apenas vegeta. Esta manhã, na rádio Gaúcha, ouvi informes sobre o tempo em cerca de 50 cidades. Nem falaram de Cachoeira. Ficamos ilhados, esquecidos, perdemos a auto-estima, a vontade de progredir. Pobre Cachoeira ! Não encontrei em lugar nenhum algo como nosso chateau-deau. Mas nem isso festejamos mais. Tristeza."
De: André Lacerda [mailto:andrelacerda15@gmail.com]
Enviada em: quarta-feira, 23 de setembro de 2009 14:11
Para: Undisclosed-Recipient:;
Assunto: Fw: DANÇA DE ÁGUA
Conheço uma cidade que foi pioneira da dança de água.
Encaminho o anexo, pra matar saudades do que foi perdido!
Abraço
Como podem reparar, o email do meu amigo, foi em resposta a uma mensagem que eu enviei mostrando uma fonte de águas de Barcelona, e fiz uma alusão a Cachoeira.
Então, percorri e observei...
Comecei a andar pela cidade. Percorri os bairros mais afastados, andei pelos bairros mais elegantes e tradicionais, e caminhei pelo centro.
Eu queria era observar gente, e como o acróbata demente do Piazzolla, saltei dentro do abismo daquelas pessoas que me deram ouvidos e me brindaram com suas falas.
Foram seis semanas que me dei de presente, e fui a campo conhecer a Cachoeira que lá no século passado ( to velho..risos) foi cenário de quase dois anos de minha adolescência.
Resolvi dividir em 3 fases minha andança: 1) arrabalde, 2) bairros de classes a e b, 3) centro (que em Cachoeira é social e comercial num mesmo espaço).
Não quero ser enfadonho e me coloco à disposição para os detalhes, portanto vou direto ao resultado de meu aprendizado sobre a cidade:
1) Arrabalde (vilas: Noêmia, Quinta B Vista, Cohab, Carvalho, N.Srª Fátima, Cristo Rei e proximidades do Morro da Cruz ( não sei o nome do lugar):
Metodologia aplicada: Abordagem direta (isso significa frequentar botecos, mercadinhos e transeuntes sob a alegação de necessidade de informação sazonal);
Clientela: 70 pessoas (10 em cada vila) acima de 14 anos;
Objetivo: Verificar satisfação das pessoas com relação ao ambiente que vivem (cidade) e testar o nível de consciência cidadã.
Conclusão:
1.1 Quesito inclusão: 93 % das pessoas observadas ainda não foram atingidas pelos benefícios do avanço tecnológico dos últimos 15 anos uma vez que:
- Nunca tiveram acesso à informática; ( muitos não sabem como o computador funciona, e teve um caso em que uma senhora de 38 anos está decepcionada por não conseguir um emprego administrativo, e olha que ela me apresentou um diploma de datilografia da Escola Cira Willig (acho que é este o nome da escola, mas não tenho certeza).
- Não sabem o que pode vir a ser TV à cabo;
- Dependem da ajuda de funcionários do banco para operar nos terminais;
- Não se preocupam com a questão ambiental e não sabem o que significa ecologia, nem mesmo aqueles que trabalham com lixo reciclado ( latas, pets, etc...)
- Desconhecem o sistema de saneamento básico que abrange seu local de domicílio;
- 97% dos indivíduos não tem concluído o ensino fundamental;
- Não se interessam (muitos não sabem se existe ) por movimentos ou associações comunitárias;
1.2 Quesito Qualidade de Vida: Utilizei aqui parâmetros que são utilizados por organismos internacionais ( ONU e suas seccionais)
- 65% dos indivíduos vivem de sub empregos, sem carteira assinada;
- 100% (dos observados) ganham menos de 1.000 reais ( destes, 90 % 1 salário mínimo );
- Não planejam e nem pensam em atividades de lazer;
- Desconhecem o funcionamento e a estrutura do sistema de saúde;
- Não consideram prioridade a atividade educacional, priorizando sim, a sobrevivência;
1.3 Quesito Cidadania:
- Completo desinteresse (desesperança??) pela administração pública ( municipal, estadual e federal);
- Desconhecem ou não sabem opinar sobre obras e projetos do executivo e legislativo municipal;
- Não elencam diferenças entre governo atual e anterior ( município);
- Acham o prefeito atual simpático e povão (???) e por isso gostam dele;
- Não sabem quem são ou como trabalham os membros de governo ( ministros, secretários, etc)
- Temem perder o Bolsa família/escola;
- Interesse superficial de política e gestão;
2) Bairros classe A,B e C:
Me reservo expor detalhes oportunamente, com apenas uma observação que considero grave:
- Aumento substancial do consumo de crack por adolescentes e jovens adultos destas camadas sociais, o que pode vir a ser um sério problema ( vide bairros nobres de Porto Alegre e SP);
- Elevado índice de endividamento ( tornando-se comum a existência do agiota no âmbito comercial);
3) Centro ( social e comercial )
Reflexo progressivo e multiplicado dos itens anteriores.
Contudo observei:
- Não estão felizes, mas não tem razão pra estarem tristes ( comodismo)
- Não fazem planos (os jovens) de ficarem na cidade, e sonham com Porto Alegre, Santa Cruz ou Santa Maria; (sobra ilusão fadada ao fracasso)
- Não acreditam no progresso da cidade, mas acham que isto sempre foi assim e nunca vai mudar.( falta estima e perspectiva)
- Existe em todos os lugares uma melancólica saudade do meio rural que reflete na desesperança urbana; ( a cidade precisa de sonhos para o futuro).
Com os devidos pedidos de perdão a quem se julgar ofendido, e com os votos de que Cachoeira do Sul volte a brilhar e a evoluir,
Fraterno Abraço
André